Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Adeus, Cheeta - O Globo; Bom Dia (08/01/2012)


Johnny Weissmuller, o melhor Tarzan de todos, era campeão de natação, o que significava que todos os seus filmes como o personagem tinham que incluir pelo menos uma cena dele nadando.

Os jacarés sabiam disso, e ficavam na espera. “Lá vêm os jacarés”, pensávamos todos, no cinema, quando Tarzan mergulhava. “Lá vem ele”, pensavam os jacarés, desanimados. E não falhava. Tarzan mergulhava, e os jacarés mergulhavam atrás dele. Sabiam que não o pegariam, que Tarzan mataria um ou dois e afugentaria o resto, mas o atacavam assim mesmo. Tarzan mergulhava sabendo que os jacarés o atacariam, os jacarés o atacavam sabendo que era inútil, e a plateia se resignava àquele ritual fatalista.

Que era uma das diferenças entre o Tarzan do cinema, pelo menos na fase Johnny Weissmuller, e o Tarzan dos livros. Nos livros Tarzan era descrito como um bom nadador, mas raramente se jogava em rios ou em lagoas, com ou sem jacarés.

Outra coisa: Sheeta, nos livros, era o nome do leopardo (Numa era o leão, Tantor o elefante). A Cheeta chipanzé é uma invenção do cinema.

A atriz que fazia a Cheeta morreu há uma semana. Teria 80 anos, o que sugere que não fosse mais a Cheeta original. Ela simbolizava como ninguém a importância de um certo tipo de coadjuvante no cinema, uma figura que merece um estudo que ainda não foi feito. O amigo do mocinho, o fiel companheiro que oferece companhia, bom humor ou apenas um contraste desastrado com o herói perfeito, e que volta e meia interfere decisivamente na ação.

Não foram poucas as vezes, nos filmes, em que a história só pode continuar porque a Cheeta desamarrou as mãos do Tarzan, ou foi buscar ajuda, por exemplo. Há uma longa tradição de amigos do mocinho no cinema e nos quadrinhos, passando pela relação algo suspeita do Robin com o Batman, da estranha parceria do Tonto com o Zorro que só durou tanto tempo porque eles jamais discutiram a sério a relação, do Centelha com o Tocha Humana...

Uma tradição que tem sua origem literária, claro, no Sancho Panza.

Não sei se foram ditas algumas palavras no enterro da Cheeta, lembrando sua importância na história cultural do Ocidente. Ou, vá lá, apenas na história de velhos tarzanófilos. Aqui, de longe, mandei meus respeitos.

Pelo Poder - O Globo; Bom Dia (05/01/2012)


No filme "Tudo pelo poder" alguém diz que o único pecado imperdoável num político americano é o pecado da carne — mesmo na forma branda de rapidinhas com estagiárias predispostas. Um dos pré-candidatos republicanos às eleições presidenciais deste ano nos Estados Unidos já foi obrigado a desistir depois que se revelou que ele era um predador sexual.

Muitos homens públicos americanos tiveram que se submeter a um ritual de contrição pelos seus pecados — geralmente com a esposa estoicamente ao seu lado, diante dos repórteres e das câmeras — antes de renunciar ao cargo ou à candidatura.

O que nos leva a pensar no contraste com o Brasil, onde a vida sexual de cada um é raramente um fator na disputa política. Nossos escândalos são assexuados, a vida privada permanece privada mesmo em meio ao maior tiroteio. E há quem diga que alegações sobre infidelidade matrimonial, voracidade sexual, etc. só aumentariam a popularidade de um político brasileiro. Mas não sejamos cínicos.

O filme "Tudo pelo poder" é bom. George Clooney é um candidato a candidato à presidência em campanha numa primária estadual. É um democrata idealizado, com opiniões que o próprio Clooney gostaria de ouvir de um candidato real — ou seja, o que ele esperava que o Obama fosse, e não foi. Seu opositor na primária mal aparece no filme, não tem nenhuma importância no enredo. O conflito acontece dentro da sua equipe, onde, com uma exceção, todos os personagens principais se revelam, de uma forma ou de outra, carentes, digamos, de caráter.

E aí é que está um dos poucos defeitos do filme: o único personagem que se salva, que tem um comportamento ético e que acaba pagando por ser a exceção é interpretado por Philip Seymour Hoffman, que ninguém nunca viu fazer papel de herói moral.

Além do pouco convincente Hoffman, Clooney, que coescreveu e dirigiu o filme, não livra a moral de ninguém, nem do seu candidato ideal. Fez um filme pessimista sobre a falibilidade humana, mesmo dos melhores humanos. O título em inglês, "Os idos de março", evoca o "Júlio Cesar", de Shakespeare, mas no filme ninguém esfaqueia ninguém à traição. As traições são mais sutis.

INJUSTIÇA

O mais terrível da morte aos 41 anos do Daniel Piza, com quem convivi menos do que gostaria, é não ter contra o que dirigir nossa indignação pela brutal injustiça. Foi a fatalidade, foi a vida... nada que se possa responsabilizar pelo que nos fizeram.

Little Brazil - O Globo; Bom Dia (01/01/2012)


"New York Times" publicou uma matéria sobre a invasão brasileira de Miami, onde a nossa nova classe média está indo comprar apartamentos, eletrodomésticos, roupas e bolsas de grife — tudo mais barato lá do que aqui.

Segundo o "Times", só o Canada manda mais gente para a Flórida do que o Brasil, mas os canadenses gastam menos. Os comerciantes e as autoridades de Miami pressionam o Congresso americano para acabar com o visto ou facilitar sua aquisição por brasileiros, e mudanças havidas aqui recentemente na concessão dos vistos — antes irritantemente racionados — já são resultado da crescente importância dos brasileiros para a economia deles.

É verdade que antes de o Brasil ocupar Miami, Miami já tinha ocupado partes do Brasil, como nota quem passa pela Barra, no Rio, onde cada terceiro outdoor ou nome de prédio ou loja é em inglês. O que aconteceu foi que a Miami original ficou mais acessível a brasileiros do que as cópias locais.

Imagino que em breve estaremos desafiando os cubanos como principal força politica latina na região. Entre parênteses: uma vez fui convidado para uma Feira do Livro em Miami e acabei num jantar oferecido aos visitantes pela comunidade cubana.

Nascido em Porto Alegre, a um pulo de Buenos Aires e Montevidéu, julguei que não teria nenhuma dificuldade em pelo menos acompanhar as conversas. Inocente pretensão. Fora uma ou outra interjeição dirigida, adivinhei, ao Fidel, não entendi uma palavra. Não falavam um espanhol reconhecível. Talvez o espanhol do exílio seja outro.

De qualquer maneira, invejei o Milton Hatoum, meu companheiro de mesa, que não só entendia tudo como falava o idioma misterioso. Se pudesse voltar no tempo sabendo o que sei hoje, meu pensamento na ocasião seria: esperem só, cubanos. Um dia tudo isto será nosso. E em vez de Big Havana se chamará Little Brazil, e em vez de pseudoespanhol falaremos português, e os nossos cartões de crédito cortarão os ares. Fecha parênteses.

Somos a sexta economia do mundo, é mole? Natural que o novo status traga uma certa ostentação. Comprar um condomínio com vista para o mar em Miami é um bom negócio porque na Barra seria mais caro, embora o mar seja o mesmo.

Mas não é só isso. Olhando o mar da sacada do seu apartamento em Miami você pode dizer que realizou o sonho de ser americano que move tantos da sua geração. Você é um proprietário no primeiro mundo, lá onde "delivery" é delivery mesmo, e tem a escritura para provar.

Claro que seu orgulho seria maior se o fato de o Brasil ter ultrapassado a Inglaterra para se tornar a sexta economia do mundo significasse um crescimento mais bem compartilhado, e um atendimento social mais, bem, inglês, e mais brasileiros com saneamento básico do que fazendo compras em Miami. Mas isso é história para outros tempos.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Marés - O Globo; Bom Dia (29/12/2011)


Quando a maré sobe, ergue todos os barcos, dizem os neoliberais para defender uma economia que privilegia poucos mas beneficia muitos. Quando o mercado funciona e as coisas melhoram, tanto sobe o caiaque do pobre quanto o iate do rico.

Mas há dias li outra analogia aquática, uma que se aplica perfeitamente ao momento: quando a maré baixa se descobre quem estava tomando banho nu. É o que acontece na atual crise do sistema financeiro, que está revelando a nudez de instituições respeitáveis que ninguém imaginaria estarem na água peladas.

As duas analogias são falhas. O barquinho do pobre sobe junto com o iate do rico mas continua sendo um barquinho, à deriva, sem nenhum controle sobre as águas em que boia. E a nudez revelada pela vazão das águas não expõe o banhista a nenhum tipo de vexame — os governos têm se apressado a tapar suas vergonhas.

Nenhum banco — fora as baixas no começo da crise, como a do Lehman Brothers — pagou por estar na água sem calção. Ao contrario, o Goldman Sachs lucrou como nunca na sua história, este ano. (O Goldman Sachs, todos lembram, foi o banco que aconselhou a Grécia no começo da crise e ao mesmo tempo apostou secretamente no fracasso do seu próprio plano).

Nenhum grande banco internacional precisa de maré alta para se manter no topo, boiam no ar. Nenhum deixou de ser respeitável — ao menos entre eles e pelos governos — por ter sido flagrado nu. Quer dizer: os bancos internacionais estão desmoralizando todas as analogias.


INDIGNAÇÃO

Só para ser coerente: minha escolha para melhor filme de 2011 é "Trabalho interno", documentário sobre as falcatruas privadas e a cumplicidade oficial que deram na crise do mercado financeiro que continua até agora, nos Estados Unidos e no resto do mundo, e justifica a indignação que deu no movimento Ocupar Wall Street e em manifestações na Europa, que também continuam.


IMPERDÍVEL

Leitura para o fim do ano: "O espetáculo mais triste da terra", livro-reportagem do Mauro Ventura. Terrível e imperdível.


ÂNIMO

No mais, pensamentos simples, champanhe gelada e companhia quente. E fé em 2012, pois anos pares são sempre melhores do que anos ímpares, uma estatística histórica que eu acabei de inventar para nos animar.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Os últimos dias - O Globo; Bom Dia (25/11/2011)


Não sei se esta é uma boa hora para falar nisso, mas, se a previsão de que o mundo vai acabar em 2012 estiver correta, este é o último Natal das nossas vidas. E o próximo réveillon tem a obrigação de ser uma festa para acabar com todas as festas, pois depois não haverá remorsos nem recriminações — depois não haverá mais nada.

Você está livre para fazer, na Festa do Último Fim de Ano, tudo que sempre pensou em fazer mas foi detido pela moral, os bons costumes, o Código Civil e seu instinto de preservação.

Pode entrar na festa nu e sair caramelado. Pode derrubar o cantor da banda e tomar seu lugar pelo resto da noite, como sempre sonhou, rechaçando aos pontapés todas as tentativas de tirá-lo do palco. Pode dizer o que pensa de todas as pessoas de que não gosta e declarar sua paixão para todos seus amores secretos, sem temer o revide ou o desdém. Pode fazer tudo isto sem pensar na sua reputação, pois se a previsão estiver certa ninguém mais vai ter uma reputação.

Deve-se pensar em algumas medidas práticas a serem tomadas na iminência do fim do mundo. Começar a comprar tudo com cheques pré-datados ou a crédito, por exemplo. Usar ao máximo os cartões de crédito, inclusive nas viagens para o exterior que se fará às pressas. E a crédito.

Conhecer o maior número de lugares que ainda não se conhece no mundo, numa espécie de tour de despedida. Fazer a Copa do Mundo de 2014 em seguida, sem esperar 2014. Encurtar o carnaval deste ano para poder fazer, adiantados, os de 2013, 2014 e 2015. Aproveitar todos os pores do sol possíveis, pois eles também serão os últimos. E isto é o mais difícil: passar a só dizer coisas definitivas.

A proximidade do fim certamente aguçará nossos sentidos e nos tornará mais graves e filosóficos. Ou então, o contrário. Só dizer bobagens. Entregar-se à besteira e ir para o fim às gargalhadas. Pois se tudo vai acabar mesmo, se a morte do nosso planeta será apenas um pontinho ridículo pipocando na escuridão cósmica, pra que fingir que algo de tudo isto era sério?

E o fim nos trará algumas vantagens. Tornará coisas como caderninhos com datas de aniversário, horóscopos e índices de colesterol sem sentido. Todos os tipos de restrições alimentares serão risíveis, poderemos comer de tudo que nos faz mal como se não houvesse amanhã — porque não haverá mesmo.

Está bem, não veremos o fim das novelas, mas não será tão ruim assim. Bom Natal para todos.

Hitchens Higgs Barcelona - O Globo; Bom Dia (22/12/2011)


Cristopher Hitchens, que morreu na semana passada, era uma figura contraditória: não acreditava em Deus mas acreditou no Bush. Entre suas muitas posições polêmicas, a mais surpreendente para colegas da esquerda foi sua defesa da invasão americana do Iraque.


Dois mil anos de pregação religiosa não foram suficientes para fazer Hitchens abandonar seu ceticismo com relação a Deus, mas algumas semanas de pregação neoconservadora bastaram para convencê-lo de que Bush estava certo, as armas de destruição em massa do Iraque ameaçavam os Estados Unidos e a invasão era inadiável.


Depois de nove anos, quase cinco mil americanos e mais de 100 mil civis iraquianos mortos e nenhuma arma de destruição em massa encontrada, Hitchens mantinha sua posição a favor da guerra com convicção religiosa. As evidências do seu erro eram mais claras do que qualquer evidência da ausência de Deus. Mas a coerência não é um requisito para o bom polemista.


Evidência da existência de Deus, ou de algo parecido — uma força unificadora que explicaria muitos dos mistérios do Universo — é o que teria sido vista há dias num dos superaceleradores de partículas construídos para testar a intuição do físico inglês Peter Higgs de que ela apareceria, na maior atenção dada a uma hipótese desde que testaram a teoria da relatividade que Einstein sacou do nada.


Se a partícula hipotética apareceu mesmo ou não ainda está sendo discutido. Um dia alguém disse que Deus não jogava dados com o Universo. Mas que Ele gosta de brincar de esconde-esconde, gosta.


O que nos traz, não me pergunte como, à vitória do Barcelona sobre o Santos. O vocabulário do futebol inclui alguns conceitos que se consagram porque ninguém se lembra de discuti-los. Um é o da importância de um centroavante fixo como "referência" para o ataque. Ou seja, menos um jogador do que um farol, para que o resto do time não se perca. Fica o coitado sozinho lá na frente, açoitado pelo vento e pelas ondas e por botinadas no calcanhar, sem abandonar seu posto. E se há uma coisa que o futebol do Barcelona prova é a absoluta desnecessidade de um centroavante fixo.


Desde que, claro, os outros sejam Xavi, Messi, Iniesta etc.


Quanto ao Santos, pagou por não ter tomado a providência óbvia de perguntar ao Internacional como fazer.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Bons e maus darwinistas - O Globo; Bom Dia (18/12/2011)


Darwinistas bem pensantes se vêm frequentemente obrigados a explicar que aceitar tudo que Darwin disse a respeito de seleção natural, sobrevivência dos mais fortes etc. não significa acreditar que o que se aplica aos animais também se aplica aos homens. Ou seja, darwinismo social, não.

O próprio Richard Dawkins, o darwinista mais conhecido em atividade hoje, já disse em mais de um dos seus textos ser possível viver num universo amoral, o universo darwiniano em que a única regra é a vitória do que ele mesmo chama de “gene egoísta” na competição pela vida, e cobrar da sociedade humana um comportamento moral.

Darwinistas mal pensantes, claro, não precisam explicar nada. Para eles o darwinismo social justifica mercados desregulados, empreendedores aéticos e todas as manifestações do gene egoísta que tornam o capitalismo selvagem parecido com o mundo natural.

Darwin só não ganhou seu lugar na galeria dos heróis da livre empresa, ao lado do Adam Smith, porque são raros os poderosos e endinheirados que não atribuem sua boa fortuna a Deus, em vez da evolução.

Mesmo antes de Darwin nos dar a incômoda notícia de que todos descendíamos de macacos (menos os meus antepassados, que foram adotados) e que pertencíamos a uma espécie tão sem caráter quanto qualquer outra, essa divisão entre o que éramos e o que pretendíamos ser já existia.

O capitalismo moderno e a moral burguesa nasceram juntos e desde então vêm coexistindo nem sempre pacificamente. Há muito tempo vivemos em dois universos simultaneamente, um em que o poder do dinheiro tudo determina, da nossa vida política à nossa digestão — com picos de ganância sem controle do capital financeiro como o que originou a crise atual —, e outro em que ignoramos esta omnipotência e nos imaginamos seres racionais e até altruístas, ou em nada parecidos com um macaco egoísta.

Uma forma do bom darwinista conciliar sua crença na evolução amoral das espécies e sua crença de que o Homem é diferente é cultivar a ideia de que o desenvolvimento da consciência humana foi, mais do que uma evolução natural, uma mudança radical na história dos habitantes deste planeta.

Como nenhum outro bicho, somos conscientes de nós mesmos, do nosso passado e dos nossos possíveis futuros. Consciência não muda o poder do dinheiro nem assegura um comportamento moral da nossa espécie — ainda. Mas nos próximos milhões de anos, quem sabe?

A evolução ainda não terminou.