Velhas certezas custam a morrer. Muitas sobrevivem ao seu desmentido mais fortes do que eram antes. Grande parte da população do mundo ainda vive, do ponto de vista das suas crenças e expectativas, num universo geocêntrico, como se Copérnico e Galileu nunca tivessem existido. O que é compreensível: custamos a aceitar uma nova explicação para o que parecia óbvio, e 400 anos de ciência são muito poucos comparados com alguns milhares de anos de engano. Precisamos de mais tempo para nos acostumar com a ideia de que é a Terra que circunda o Sol.
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Li, não me lembro onde, esta frase: o longo hábito de viver nos indispõe para a morte. Essa indisposição para a morte está no princípio de todas as religiões, se não de toda a metafísica. O crescimento do fundamentalismo religioso, ou de uma volta aos fundamentos mais obscuros e obscurantistas das religiões, é uma reação radical ao desmentido de velhas certezas. Há outros longos hábitos ameaçados que reagem do mesmo jeito. Velhos comunistas se recusam a aceitar o fracasso do comunismo aplicado a não ser como uma anomalia russa, uma prática que sabotou a teoria. Neoliberais não param de entoar seus mantras como se sua repetição encantatória banisse todas as evidências que os contradizem. Não é fácil admitir que nosso universo não é nada do que estávamos pensando.
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Um exemplo pessoal de como os longos hábitos morrem devagar. A astrologia só faz sentido num mundo pré-Copérnico, mas me pergunta se eu não dou uma olhada no meu signo todos os dias.
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Chega o momento em que todo homem, principalmente todo homem cardíaco, desenvolve uma fé irrealista na ciência. Se convence que dos Estados Unidos ou de algum outro lugar abençoado virá, em breve, o cateter mágico que depositará bactérias amestradas nas suas artérias, e elas começarão a desobstrução definitiva que lhe dará mais cem anos (não pedimos mais do que isso) de vida. No fim, tudo se resume numa corrida entre a fatalidade e a pesquisa.
Cigarros de chocolate. Ainda existe cigarro de chocolate? Quando eu era criança, comprava-se cigarros iguais aos de verdade, em maços, com chocolate dentro em vez de fumo. Eles serviam para a gente brincar de adulto. Antes de comê-los, "fumávamos" os cigarros, gesticulando com eles como gente grande, dizendo coisas pseudoimportantes e tragando e expelindo fumaça imaginária. Sonhávamos com o dia em que poderíamos assumir todas as poses de fumantes, fumando mesmo.
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Tinha um ritual de fumantes adultos que me fascinava. O homem tirava uma cigarreira - lembra da cigarreira? - do bolso de dentro do paletó, abria a cigarreira, escolhia um dos cigarros enfileirados, fechava a cigarreira com um sofisticado clic, depois batia com a ponta do cigarro no tampo da cigarreira, antes de guardá-la, colocar a ponta compactada do cigarro nos lábios e buscar o isqueiro em outro bolso do paletó. No dia em que eu pudesse fazer aquele pequeno teatro com naturalidade eu seria um homem e, mais do que isso, um homem autossuficiente e elegante, um homem de dar inveja.
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Um dia decidi que não ia esperar crescer para ficar adulto. Roubei um cigarro da minha mãe, peguei fósforos e fui para o fundo do quintal. Bati com a ponta do cigarro na caixa de fósforos. Acendi o cigarro e traguei, me sentindo um ator de cinema. A pose não durou muito. Foi interrompida por um acesso de tosse. Era horrível, encher a boca de fumaça daquele jeito. Nunca mais botei um cigarro na boca.
Mas, sei não. Às vezes penso que faltou uma cigarreira na minha vida.
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