Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Marés - O Globo; Bom Dia (29/12/2011)


Quando a maré sobe, ergue todos os barcos, dizem os neoliberais para defender uma economia que privilegia poucos mas beneficia muitos. Quando o mercado funciona e as coisas melhoram, tanto sobe o caiaque do pobre quanto o iate do rico.

Mas há dias li outra analogia aquática, uma que se aplica perfeitamente ao momento: quando a maré baixa se descobre quem estava tomando banho nu. É o que acontece na atual crise do sistema financeiro, que está revelando a nudez de instituições respeitáveis que ninguém imaginaria estarem na água peladas.

As duas analogias são falhas. O barquinho do pobre sobe junto com o iate do rico mas continua sendo um barquinho, à deriva, sem nenhum controle sobre as águas em que boia. E a nudez revelada pela vazão das águas não expõe o banhista a nenhum tipo de vexame — os governos têm se apressado a tapar suas vergonhas.

Nenhum banco — fora as baixas no começo da crise, como a do Lehman Brothers — pagou por estar na água sem calção. Ao contrario, o Goldman Sachs lucrou como nunca na sua história, este ano. (O Goldman Sachs, todos lembram, foi o banco que aconselhou a Grécia no começo da crise e ao mesmo tempo apostou secretamente no fracasso do seu próprio plano).

Nenhum grande banco internacional precisa de maré alta para se manter no topo, boiam no ar. Nenhum deixou de ser respeitável — ao menos entre eles e pelos governos — por ter sido flagrado nu. Quer dizer: os bancos internacionais estão desmoralizando todas as analogias.


INDIGNAÇÃO

Só para ser coerente: minha escolha para melhor filme de 2011 é "Trabalho interno", documentário sobre as falcatruas privadas e a cumplicidade oficial que deram na crise do mercado financeiro que continua até agora, nos Estados Unidos e no resto do mundo, e justifica a indignação que deu no movimento Ocupar Wall Street e em manifestações na Europa, que também continuam.


IMPERDÍVEL

Leitura para o fim do ano: "O espetáculo mais triste da terra", livro-reportagem do Mauro Ventura. Terrível e imperdível.


ÂNIMO

No mais, pensamentos simples, champanhe gelada e companhia quente. E fé em 2012, pois anos pares são sempre melhores do que anos ímpares, uma estatística histórica que eu acabei de inventar para nos animar.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Os últimos dias - O Globo; Bom Dia (25/11/2011)


Não sei se esta é uma boa hora para falar nisso, mas, se a previsão de que o mundo vai acabar em 2012 estiver correta, este é o último Natal das nossas vidas. E o próximo réveillon tem a obrigação de ser uma festa para acabar com todas as festas, pois depois não haverá remorsos nem recriminações — depois não haverá mais nada.

Você está livre para fazer, na Festa do Último Fim de Ano, tudo que sempre pensou em fazer mas foi detido pela moral, os bons costumes, o Código Civil e seu instinto de preservação.

Pode entrar na festa nu e sair caramelado. Pode derrubar o cantor da banda e tomar seu lugar pelo resto da noite, como sempre sonhou, rechaçando aos pontapés todas as tentativas de tirá-lo do palco. Pode dizer o que pensa de todas as pessoas de que não gosta e declarar sua paixão para todos seus amores secretos, sem temer o revide ou o desdém. Pode fazer tudo isto sem pensar na sua reputação, pois se a previsão estiver certa ninguém mais vai ter uma reputação.

Deve-se pensar em algumas medidas práticas a serem tomadas na iminência do fim do mundo. Começar a comprar tudo com cheques pré-datados ou a crédito, por exemplo. Usar ao máximo os cartões de crédito, inclusive nas viagens para o exterior que se fará às pressas. E a crédito.

Conhecer o maior número de lugares que ainda não se conhece no mundo, numa espécie de tour de despedida. Fazer a Copa do Mundo de 2014 em seguida, sem esperar 2014. Encurtar o carnaval deste ano para poder fazer, adiantados, os de 2013, 2014 e 2015. Aproveitar todos os pores do sol possíveis, pois eles também serão os últimos. E isto é o mais difícil: passar a só dizer coisas definitivas.

A proximidade do fim certamente aguçará nossos sentidos e nos tornará mais graves e filosóficos. Ou então, o contrário. Só dizer bobagens. Entregar-se à besteira e ir para o fim às gargalhadas. Pois se tudo vai acabar mesmo, se a morte do nosso planeta será apenas um pontinho ridículo pipocando na escuridão cósmica, pra que fingir que algo de tudo isto era sério?

E o fim nos trará algumas vantagens. Tornará coisas como caderninhos com datas de aniversário, horóscopos e índices de colesterol sem sentido. Todos os tipos de restrições alimentares serão risíveis, poderemos comer de tudo que nos faz mal como se não houvesse amanhã — porque não haverá mesmo.

Está bem, não veremos o fim das novelas, mas não será tão ruim assim. Bom Natal para todos.

Hitchens Higgs Barcelona - O Globo; Bom Dia (22/12/2011)


Cristopher Hitchens, que morreu na semana passada, era uma figura contraditória: não acreditava em Deus mas acreditou no Bush. Entre suas muitas posições polêmicas, a mais surpreendente para colegas da esquerda foi sua defesa da invasão americana do Iraque.


Dois mil anos de pregação religiosa não foram suficientes para fazer Hitchens abandonar seu ceticismo com relação a Deus, mas algumas semanas de pregação neoconservadora bastaram para convencê-lo de que Bush estava certo, as armas de destruição em massa do Iraque ameaçavam os Estados Unidos e a invasão era inadiável.


Depois de nove anos, quase cinco mil americanos e mais de 100 mil civis iraquianos mortos e nenhuma arma de destruição em massa encontrada, Hitchens mantinha sua posição a favor da guerra com convicção religiosa. As evidências do seu erro eram mais claras do que qualquer evidência da ausência de Deus. Mas a coerência não é um requisito para o bom polemista.


Evidência da existência de Deus, ou de algo parecido — uma força unificadora que explicaria muitos dos mistérios do Universo — é o que teria sido vista há dias num dos superaceleradores de partículas construídos para testar a intuição do físico inglês Peter Higgs de que ela apareceria, na maior atenção dada a uma hipótese desde que testaram a teoria da relatividade que Einstein sacou do nada.


Se a partícula hipotética apareceu mesmo ou não ainda está sendo discutido. Um dia alguém disse que Deus não jogava dados com o Universo. Mas que Ele gosta de brincar de esconde-esconde, gosta.


O que nos traz, não me pergunte como, à vitória do Barcelona sobre o Santos. O vocabulário do futebol inclui alguns conceitos que se consagram porque ninguém se lembra de discuti-los. Um é o da importância de um centroavante fixo como "referência" para o ataque. Ou seja, menos um jogador do que um farol, para que o resto do time não se perca. Fica o coitado sozinho lá na frente, açoitado pelo vento e pelas ondas e por botinadas no calcanhar, sem abandonar seu posto. E se há uma coisa que o futebol do Barcelona prova é a absoluta desnecessidade de um centroavante fixo.


Desde que, claro, os outros sejam Xavi, Messi, Iniesta etc.


Quanto ao Santos, pagou por não ter tomado a providência óbvia de perguntar ao Internacional como fazer.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Bons e maus darwinistas - O Globo; Bom Dia (18/12/2011)


Darwinistas bem pensantes se vêm frequentemente obrigados a explicar que aceitar tudo que Darwin disse a respeito de seleção natural, sobrevivência dos mais fortes etc. não significa acreditar que o que se aplica aos animais também se aplica aos homens. Ou seja, darwinismo social, não.

O próprio Richard Dawkins, o darwinista mais conhecido em atividade hoje, já disse em mais de um dos seus textos ser possível viver num universo amoral, o universo darwiniano em que a única regra é a vitória do que ele mesmo chama de “gene egoísta” na competição pela vida, e cobrar da sociedade humana um comportamento moral.

Darwinistas mal pensantes, claro, não precisam explicar nada. Para eles o darwinismo social justifica mercados desregulados, empreendedores aéticos e todas as manifestações do gene egoísta que tornam o capitalismo selvagem parecido com o mundo natural.

Darwin só não ganhou seu lugar na galeria dos heróis da livre empresa, ao lado do Adam Smith, porque são raros os poderosos e endinheirados que não atribuem sua boa fortuna a Deus, em vez da evolução.

Mesmo antes de Darwin nos dar a incômoda notícia de que todos descendíamos de macacos (menos os meus antepassados, que foram adotados) e que pertencíamos a uma espécie tão sem caráter quanto qualquer outra, essa divisão entre o que éramos e o que pretendíamos ser já existia.

O capitalismo moderno e a moral burguesa nasceram juntos e desde então vêm coexistindo nem sempre pacificamente. Há muito tempo vivemos em dois universos simultaneamente, um em que o poder do dinheiro tudo determina, da nossa vida política à nossa digestão — com picos de ganância sem controle do capital financeiro como o que originou a crise atual —, e outro em que ignoramos esta omnipotência e nos imaginamos seres racionais e até altruístas, ou em nada parecidos com um macaco egoísta.

Uma forma do bom darwinista conciliar sua crença na evolução amoral das espécies e sua crença de que o Homem é diferente é cultivar a ideia de que o desenvolvimento da consciência humana foi, mais do que uma evolução natural, uma mudança radical na história dos habitantes deste planeta.

Como nenhum outro bicho, somos conscientes de nós mesmos, do nosso passado e dos nossos possíveis futuros. Consciência não muda o poder do dinheiro nem assegura um comportamento moral da nossa espécie — ainda. Mas nos próximos milhões de anos, quem sabe?

A evolução ainda não terminou.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Os centroavantes


Eles são difíceis, os centroavantes. Reúnem-se em lugares certos, em várias partes do mundo, mas não se olham nos olhos. Trocam lamúrias e reminiscências, como em qualquer confraria de especialistas, mas é como se estivessem sozinhos. De vez em quando levantam a cabeça e olham e volta, à procura de um possível empresário ou de um fã antigo. Mas não se encaram. Sabem que a qualquer momento terão que trair o companheiro ao lado. Se lhes perguntarem: “Conhece um bom centroavante?”, terão que responder:

- Só conheço eu mesmo.

E se insistirem, “Me disseram que o Fulano ainda joga...” responderão:

- Não joga, bebe muito e arrasta uma perna. De centroavante só conheço eu mesmo.

Eles são sombrios e tristes, os centroavantes.

Você os encontrará em velhas tascas do Bairro Gótico em Barcelona depois de se acostumar com a escuridão. Em algumas esquinas de Milão, encolhidos do frio dentro das suas japonas. Em Chacarita. Na Cinelândia. Em Marselha, no restaurante de peixe do velho Renard, um centroavante que desistiu antes dos 36 porque perdeu um joelho.

- E o seu joelho, Renard?

O velho corso toma um gole de “blanc”.

- Ainda está rolando por um campo da Catalunha.

- Como é que foi, Renard?

- Um beque sem mãe.

- E onde está o beque, Renard?

- Junto da sua mãe.

Você os conhece de longe.

Centroavantes, toureadores velhos e mercenários, você os conhece de longe. São sobreviventes de profissão. Estiveram com a morte e voltaram, e têm as cicatrizes para provar. Restam poucos centroavantes no mundo. O jeito desconfiado, os gestos tensos, o cigarro nos dedos nervosos, os olhos cansados, você os conhece.

Os centroavantes só falam nos companheiros mortos ou nos que pararam, os outros são concorrentes. Centroavante bom e vivo só conheço eu mesmo. Eles fumam muito, os centroavantes. Mas cuidam para não tossir na frente do empresário.

- Com quantos anos você está?

- Vinte e sete.

- Você quer dizer trinta e sete.

- A bola não sabe a diferença.

Nos treinos tratam de brigar logo com o treinador, chutar a bola longe e sair de campo, senão não aguentariam. Eles sabem que o treinador os irá procurar depois no quarto do hotel e pedir perdão. São raros, os centroavantes.

- Você me insultou.

- Só disse que você estava muito parado.

- Meu pé conhece mais futebol do que você inteiro.

- Está certo. Volte para o treino.

- Eu não treino. Eu jogo.

- Está certo.

São difíceis, os centroavantes.

Quando se reúnem, falam dos que morreram ou dos que pararam. Sem se olharem nos olhos.

Falam de Carrara, o Italiano Louco, que uma vez comeu um bandeirinha vivo e foi retirado de campo por um batalhão de carabinieri, ainda mastigando o pano da bandeira e ofendendo a arquibancada. Nenhum bandeirinha jamais viu Carrara em impedimento, depois disso.

Falam de Bahal, o Turco de olhos vermelhos, o peito de um touro e um dedão de 10 centímetros em cada pé. Bahal, morto com uma adaga na nuca dentro da pequena área, na cobrança de um córner. Antes de morrer - mas isto já é lenda - teria feito o gol com uma lufada de sangue.

Falam de Lúcio, o Poeta, um brasileiro esguio com pomada no cabelo, outra história trágica. Lúcio tinha um chute mortal. Um dia errou a goleira, a bola subiu, venceu a cerca, venceu a arquibancada de São Januário, caiu na rua, acertou a cabeça de uma moça dentro de um Lincoln conversível - a cantora Rosa de Rose, o Rouxinol Louro - e a matou. Rosa era noiva de Lúcio, o caso emocionou o Brasil. Esperava o fim da partida para levá-lo ao Cassino da Urca. Lúcio enlouqueceu. Nunca mais jogou futebol. Hoje é funcionário do Maracanã e de vez em quando se distrai. Em vez do grande círculo, desenha com cal no gramado o nome de Rosa de Rose.

Falam de Tamul, a Gazela Africana, rápido como o raio, que jogava descalço e mordia a trave sempre que perdia um gol. Tamul tinha os dentes esculpidos. Um era o Taj Mahal. O outro, a Torre Eiffel. Um torto, bem na frente, era a Torre de Pisa. Outro, o Obelisco da Place Vendôme. O Arco de Constantino.

Falam de McMoody, o anão escocês, que batia pênalti de cabeça e tinha placas de aço em vez de canelas.

Falam do argentino Lombroso, que chutou a cabeça do goleiro para dentro do gol. Não teria sido nada se ele não tivesse saído comemorando.

Falam de goleiros com desdém e de beques centrais só antes de cuspir. Os centroavantes tendem a engordar e a emagrecer como os outros respiram. E têm pesadelos. Sonham que a grande área é um pântano, que não conseguem pular, que a bola é de ferro e que o tempo passa.

São raros, os centroavantes.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Uma tarde em Florença - O Globo; Bom Dia (15/12/2011)


Nos cruzamos algumas vezes depois disso, mas a única vez que estive com o Sócrates foi na sua casa em Florença, quando ele era ídolo no Fiorentina. Tínhamos marcado um encontro com o Araújo Neto, correspondente do "Jornal do Brasil" em Roma, que estava vindo a Florença para entrevistá-lo.

O Araújo nos carregou junto para a entrevista. Não foi difícil localizar a casa do Doutor nos arredores de Florença. O motorista do táxi sabia exatamente como chegar lá. A casa do estupendo Sócrates? Como não iria saber?

A casa era uma mansão toscana no meio de ciprestes e de um grande gramado. Quando chegamos, um dos filhos do jogador estava tendo seu cabelo cortado ao ar livre. Não deu para identificar, no que parecia ser o staff permanente da casa, quem era brasileiro e quem era italiano. O próprio barbeiro podia ser da casa ou recrutado na vizinhança para a honrosa missão.

Sentamo-nos no quintal também, e conversamos a tarde inteira. Infelizmente, só o que sobrou da conversa foram as fotos. Não me lembro do que falamos. De Florença e de como a família estava se adaptando, provavelmente. E de futebol, certamente.

Era uma oportunidade para expor minha teoria sobre o passe de calcanhar, já que estava na presença de um notável especialista no assunto. Eu achava que o passe de calcanhar era um pouco como o palavrão no teatro. Quase sempre era desnecessário, não avançava a ação da peça — ou da jogada, no futebol —, mas nunca deixava de provocar uma reação na plateia. Por mais que se repetissem e se banalizassem, o passe de calcanhar e o palavrão jamais perderiam seu poder de surpreender o público.

Tenho certeza que não mencionei minha tese naquela agradável tarde florentina, primeiro porque sou do tipo que prefere ouvir as teses dos outros em vez das suas, segundo porque os passes de calcanhar do Sócrates, ao contrário dos palavrões no teatro, tinham a particularidade de nunca serem gratuitos, ou só para impressionar. Com Sócrates, taquinho não era brilhatura.

Mais importante do que surpreender o público era surpreender o adversário. E esta era uma das muitas maneiras em que Sócrates era um jogador — e uma pessoa — diferente. Não se esperasse dele o convencional.

O Araújo Neto já se foi, o Sócrates já se foi, restam as vagas lembranças de uma tarde sob os ciprestes, há muitos, muitos anos.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Booktrailer do novo livro de Luis Fernando Veríssimo



Quem foi quem - O Globo; Bom Dia (11/12/2011)


Recapitulando
Ló é o da mulher que vira uma estátua de sal. Jó é o que aguentou toda sorte de provação de Deus mas não perdeu a fé. O pão é de Ló, os escravos que jogavam caxangá eram do Jó. Ninguém sabe como se joga caxangá.
Manet é o do “Almoço na grama” e do “Olympia”, Monet é o das ninfeias e da pintura que deu nome ao impressionismo. Os dois usavam barba.
Francis Bacon era um pintor irlandês, mas houve outro Francis Bacon, inglês, filósofo, estadista e cientista nascido no século dezesseis, que não pintava.
Billy Wilder é o do “Quanto mais quente melhor” e do “Se meu apartamento falasse”, William Wyler é o do “Ben-Hur” e do “A princesa e o plebeu”. Robert Wise não tem nada a ver com nenhum dos dois.
Von Sternberg e Von Stroheim. Esta é difícil.
Josef von Sternberg nasceu em Viena e emigrou para os Estados Unidos. Na Alemanha, dirigiu Marlene Dietrich em vários filmes, o mais conhecido sendo “O anjo azul”, antes de voltar para Hollywood, onde morreu.
Eric von Stroheim também nasceu em Viena. Era ator, além de diretor. Um dos seus papéis mais notáveis foi o de um oficial alemão em “A grande ilusão”, de Jean Renoir. Foi ele que fez o mordomo no “Sunset Boulevard”, do Billy Wilder.
Tanto no caso de Sternberg quanto no de Stroheim, judeus de origem proletária, o aristocrático “von” foi acrescentado aos seus nomes depois. Não é grave não saber distinguir os dois. Dizem que eles mesmos, quando se encontravam, tinham dificuldade em decidir quem era quem.
Jean Renoir, diretor de “A grande ilusão”, era filho do pintor Claude Renoir.
Calvin Klein é o das roupas, Kevin Kline é o ator.
Espera aí um pouquinho. Calvin Kline é o ator, Kevin Klein é o das roupas. Não. Kevin Kline é o ator, Calvin Klein é o das...
Ou será o contrário? Não tenho certeza de mais nada.
Faça o seguinte: esqueça tudo que está escrito aí em cima.
Não sei mais nem se o pão não é de Jó.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O exemplo - O Globo; Bom Dia (08/12/2011)


Da série "Ironias da História". A Alemanha comanda a reação europeia à crise monetária porque é a economia mais estável da região e a que melhor conserva esta estabilidade, e assim tem a autoridade moral para exigir austeridade dos outros.

Vários analistas econômicos já estão começando a duvidar que austeridade, cortes em investimentos dos governos e desmonte dos sistemas de bem-estar social sejam a saída da crise, com medo de que o remédio é que acabe matando o paciente.

Mas todas as dúvidas esbarram na resolução da frau Merkel e na sua certeza de que nesta hora todos devem ser um pouco alemães, custe o que custar.

Não é a primeira vez que a Alemanha dita, ou tenta ditar, os destinos da Europa, nem a primeira vez que se apresenta como um modelo a ser imitado, ou seguido, por todo o mundo. Pode-se mesmo dizer que a história da Europa nos últimos dois séculos foi a história da sua acomodação em torno da Alemanha e suas pretensões políticas, econômicas e geográficas — uma acomodação nem sempre possível e que em duas ocasiões acabou em guerras mundiais.

Depois da sua aventura nazista, o modelo alemão passou a ser não o da arregimentação totalitária, da suposta superioridade racial e da inconformidade com suas fronteiras, mas de eficiência e de recuperação industrial, e da frugalidade dos seus cidadãos, que agora seria exemplo para todos.

As multidões que enchem as ruas da Grécia, da Espanha e etc., protestando contra uma austeridade que castiga quem tem menos culpa pela crise, talvez tenham levado alguns analistas a reverem sua ortodoxia, mas não comoverão os alemães, que têm tido a última palavra nas medidas para evitar a degringolada final.

Ironicamente, depois de invadir meia Europa durante as duas grandes guerras e ser rechaçada, a Alemanha finalmente consegue transformar os europeus em súditos, pelo menos do seu reich econômico. E sem disparar um tiro.

Apelidos - O Globo; Bom Dia (04/12/2011)


Minha tese é a seguinte: o que falta para qualquer relacionamento dar certo é o apelido. O homem e a mulher — ou o homem e o homem e a mulher e a mulher, ninguém aqui tem preconceito — devem providenciar apelidos um para o outro assim que o relacionamento der sinais de que vai ser sério. Não valem apelidos já existentes, de infância. Os dois devem se dar apelidos novos, só deles. Pichuchinha. Gongonzongo. Não importa que sejam ridículos.

O apelido é uma forma de você tomar posse de outra pessoa. Dos dois anularem suas identidades anteriores e assumirem outras, só deles. Por isso a troca de apelidos entre namorados deveria ter a solenidade de um batizado, sem padre nem testemunhas. Deveria ser um sacramento secreto, um ritual particular de apropriação mútua, para toda a vida. Uma união só é indissolúvel com apelidos. O único amor verdadeiro é o amor com apelido.

— Sei não. Romeu e Julieta...

— Não tiveram tempo de ser "Ro" e "Juju".

— O Duque e a Duquesa de Windsor?

— "Bobsky" e "Bubsky." Li em algum lugar.

O importante é não esperar para se darem apelidos. Achar que com o tempo os apelidos virão. É um erro pensar que uma união feliz produz apelidos carinhosos. É o contrário: apelidos carinhosos produzem uniões felizes.

Claro, há sempre o perigo de um apelido entre casais ser usado para chantagem. Um homem chamado de "Tiquinho" em segredo pela mulher jamais se separará dela com medo que ela espalhe o apelido e explique sua origem.

E há casos pungentes.

— Bem, posso lhe pedir um favor?

— Qual é?

— Em vez de "Chururuca"...

— Sim?

— Pode ser "Morenão"?

— "Morenão"?!

— Ninguém vai ficar sabendo.

— Mas você nem moreno é!

— Eu sei. Mas eu prefiro "Morenão".

— Tá bem.

Ela passaria a chamá-lo de "Morenão" quando estivessem sozinhos. Mas com uma ressalva:

— Sem efeito retroativo.

Amor e ódio - O Globo; Bom Dia (01/12/2011)


Um historiador do futuro — figura retórica tão útil quanto o Marciano Hipotético para se olhar o Brasil atual de uma certa distância — terá duas grandes dificuldades para entender que diabos se passou por aqui nos últimos anos.

Uma será explicar o amor ao Lula. A outra será explicar o ódio ao Lula. As duas coisas transbordaram de qualquer parâmetro racional.

Lula terminou seu mandato com um índice de aprovação popular inédito, e odiado na mesma proporção. O amor resistiu a escândalos, gafes, alianças indefensáveis, uma imprensa hostil e uma oposição ativa. O ódio se manteve constante até depois do mandato e não se diluiu nem numa natural simpatia pelo homem doente — o antilulismo feroz não é solidário nem no câncer.

Nosso historiador talvez desista de encontrar explicações para essa polarização extrema na disputa política e sucumba a simplificações sociorromânticas.

Talvez conclua que Lula teria o amor da maioria pelo seu tipo físico e sua biografia independentemente de qualquer outra coisa, e seria aprovado pelos seus semelhantes não importa que governo fizesse. E que o ódio ao Lula se explicava por nada menos científico ou novo no Brasil do que o preconceito social, uma repulsa atávica a quem ultrapassa sua classe e com isto ameaça todo o conceito de classe predestinada.
No caso um torneiro mecânico inculto metido a grande coisa.

No fundo o que o perplexo historiador do futuro estaria dizendo é que é impossível confiar em padrões históricos como os que explicam outras sociedades para nos explicar. Não se trata de reativar a frase que o De Gaulle nunca disse, sobre nossa falta de seriedade. Somos sérios, sim. Mas também somos movidos a paixões que sabotam toda coerência histórica.

O Lula foi um catalisador de paixões, a favor e contra. E o mais extraordinário e brasileiro disso é que o amor e o ódio não têm nada a ver com os sucessos ou os fracassos do seu governo. Existem num plano ahistórico e apolítico de pura devoção ou pura raiva.