Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Uma tarde em Florença - O Globo; Bom Dia (15/12/2011)


Nos cruzamos algumas vezes depois disso, mas a única vez que estive com o Sócrates foi na sua casa em Florença, quando ele era ídolo no Fiorentina. Tínhamos marcado um encontro com o Araújo Neto, correspondente do "Jornal do Brasil" em Roma, que estava vindo a Florença para entrevistá-lo.

O Araújo nos carregou junto para a entrevista. Não foi difícil localizar a casa do Doutor nos arredores de Florença. O motorista do táxi sabia exatamente como chegar lá. A casa do estupendo Sócrates? Como não iria saber?

A casa era uma mansão toscana no meio de ciprestes e de um grande gramado. Quando chegamos, um dos filhos do jogador estava tendo seu cabelo cortado ao ar livre. Não deu para identificar, no que parecia ser o staff permanente da casa, quem era brasileiro e quem era italiano. O próprio barbeiro podia ser da casa ou recrutado na vizinhança para a honrosa missão.

Sentamo-nos no quintal também, e conversamos a tarde inteira. Infelizmente, só o que sobrou da conversa foram as fotos. Não me lembro do que falamos. De Florença e de como a família estava se adaptando, provavelmente. E de futebol, certamente.

Era uma oportunidade para expor minha teoria sobre o passe de calcanhar, já que estava na presença de um notável especialista no assunto. Eu achava que o passe de calcanhar era um pouco como o palavrão no teatro. Quase sempre era desnecessário, não avançava a ação da peça — ou da jogada, no futebol —, mas nunca deixava de provocar uma reação na plateia. Por mais que se repetissem e se banalizassem, o passe de calcanhar e o palavrão jamais perderiam seu poder de surpreender o público.

Tenho certeza que não mencionei minha tese naquela agradável tarde florentina, primeiro porque sou do tipo que prefere ouvir as teses dos outros em vez das suas, segundo porque os passes de calcanhar do Sócrates, ao contrário dos palavrões no teatro, tinham a particularidade de nunca serem gratuitos, ou só para impressionar. Com Sócrates, taquinho não era brilhatura.

Mais importante do que surpreender o público era surpreender o adversário. E esta era uma das muitas maneiras em que Sócrates era um jogador — e uma pessoa — diferente. Não se esperasse dele o convencional.

O Araújo Neto já se foi, o Sócrates já se foi, restam as vagas lembranças de uma tarde sob os ciprestes, há muitos, muitos anos.

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