Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Bagé

   Certas cidades não conseguem se livrar da reputação injusta que, por alguma razão, possuem. Algumas das pessoas mais sensíveis e menos grossas que eu conheço vêm de Bagé, assim como algumas das menos afetadas são de Pelotas.
   Mas não adianta. Estas histórias do psicanalista de Bagé são provavelmente apócrifas (como diria o próprio analista de Bagé, história apócrifa é mentira bem-educada), mas, pensando bem, ele não poderia vir de outro lugar.
   Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão.
   ― Buenas. Vá entrando e se abanque, índio velho.
   ― O senhor quer que eu deite logo no divã?
   ― Bom, se o amigo quiser dançar uma marca antes, esteja a gosto. Mas eu prefiro ver o vivente estendido e charlando que nem china da fronteira, pra não perder tempo nem dinheiro.
   ― Certo, certo. Eu...
   ― Aceita um mate?
   ― Um quê? Ah, não. Obrigado.
   ― Pos desembucha.
   ― Antes, eu queria saber. O senhor é freudiano?
   ― Sou e sustento. Mais ortodoxo que reclame de xarope.
   ― Certo. Bem. Acho que o meu problema é com a minha mãe.
   ― Outro...
   ― Outro?
   ― Complexo de Édipo. Dá mais que pereba em moleque.
   ― E o senhor acha...
   ― Eu acho uma poca vergonha.
   ― Mas...
   ― Vai te metê na zona e deixa a velha em paz, tchê! 

                                                                *

   Contam que outra vez um casal pediu para consultar, juntos, o analista de Bagé.
Ele, a princípio, não achou muito ortodoxo.
   ― Quem gosta de aglomeramento é mosca em bicheira...
Mas acabou concordando.
   ― Se abanquem, se abanquem no más. Mas que parelha buenacha, tchê. Qual é o causo?
   ― Bem ― disse o homem ―,é que nós tivemos um desentendimento...
   ― Mas tu também é um bagual. Tu não sabe que em mulher e cavalo novo não se mete a espora?
   ― Eu não meti a espora. Não é, meu bem?
   ― Não fala comigo!
   ― Mas essa aí tá mais nervosa que gato em dia de faxina.
   ― Ela tem um problema de carência afetiva...
   ― Eu não sou de muita frescura. Lá de onde eu venho, carência afetiva é falta de homem.
   ― Nós estamos justamente atravessando uma crise de relacionamento porque ela tem procurado experiências extra-conjugais e...
   ― Epa. Opa. Quer dizer que a negra velha é que nem luva de maquinista? Tão folgada que qualquer um bota a mão?
   ― Nós somos pessoas modernas. Ela está tentando encontrar o verdadeiro eu, entende?
   ― Ela ta procurando o verdadeiro tu nos outros?
   ― O verdadeiro eu, não. O verdadeiro eu dela.
   ― Mas isto tá ficando mais enrolado que linguiça de venda. Te deita no pelego.
   ― Eu?
   ― Ela. Tu espera na salinha.

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