Me dou conta que a Anita e a Arabela morreram e eu não comentei nada! A gente aqui catando assunto — este dá, este não dá, este ninguém entenderia, este não passa, este seria presunçoso, este daria cadeia, meu Deus, já são quase oito e eu ainda não escrevi nada! — e o assunto aí, pedindo. Vamos lá, então. Duas laudas e meia sobre Anita e Arabela, as aranhas espaciais já falecidas.
Primeiro, algumas considerações preliminares sobre forma.
Deve ser uma crônica tecida. Isso. Deve sair como uma teia, feita com cuspe e paciência. Mas ligeiro, que o jornal não pode esperar.
Quem sabe uma linha de cada vez, para apressar?
Linhas soltas, pendentes, diáfanas, para pegar as ideias no ar, como insetos?
Linhas repetidas, para simetria?
Linhas repetidas, para simetria?
Linhas re. . .
Não. Preciosismo gráfico. A diferença entre a aranha e o cronista é que a aranha não tem nenhuma angústia estilística. A aranha não entende de forma. A forma, na sua vida, é apenas uma correta disposição da saliva, não peça para ela explicar. A Anita, por exemplo, diria apenas:
— Eu não sei explicar, entende? Não há nada pra explicar. É tudo só pra pegar inseto, entende? Pra matar a fome e sobreviver, entende? Eu não quero dizer nada com a minha teia, não há nenhuma mensagem, entende?
Já o cronista se esforça para provar o contrário, que o seu estilo é a desfiação final das dezessete mil maneiras de dizer qualquer coisa, e que se ele escolheu esta maneira de dizê-la, então a sua escolha, a sua forma, tem tanta importância quanto o que ela — a linguagem, entende? — representa, ou então, deixa ver, acho que me enredei um pouco, é melhor deixar. Olha aí, peguei uma ideia no ar mas ela caiu. O que o cronista quer dizer é que a sua teia é um engenho da imaginação, uma decisão sobre o mundo, alguma coisa além de uma armadilha para o almoço. Ao contrário da aranha, eu posso explicar todas as minhas metáforas. Com metáforas, é claro.
Digamos que, junto com a Anita e a Arabela, levassem um cronista para o espaço. Com objetivos puramente científicos. Como se comportaria um esteta no vácuo? Dentro da nave pressurizada, o cronista seria instruído a fazer literatura enquanto as aranhas fizessem suas teias. Uma comparação. O cronista hesitaria. O cronista teria dúvida no espaço. Sem falar em enjoo de estômago e surtos de melancolia.
— Vamos, comece — diria o amerirusso no comando da expedição.
— Pera um pouquinho!
— Como, esperar? Olha ali, as aranhas já começaram.
— Peraí, pô. As aranhas não pensam. Eu penso, logo pera um pouquinho. Não tem nada pra beber aí? Deixa ver. Uma crônica. Hmm. . . Quantas laudas? A favor ou contra? Como é que eu posso escrever de cabeça para baixo? Com esse papel não dá! Ai, meu saco. Eu não me ajeito com máquina elétrica... Escrever o quê?
— Escreva duas laudas e meia sobre as aranhas no espaço.
— Bom, tá bem, mas primeiro algumas considerações preliminares sobre forma.
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