Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O cronista e as aranhas

   Me dou conta que a Anita e a Arabela morre­ram e eu não comentei nada! A gente aqui catando assunto — este dá, este não dá, este ninguém entenderia, este não passa, este seria presunçoso, este daria cadeia, meu Deus, já são quase oito e eu ainda não escrevi nada! — e o assunto aí, pedindo. Vamos lá, então. Duas laudas e meia sobre Anita e Arabela, as aranhas espaciais já falecidas.
   Primeiro, algumas considerações preliminares sobre forma.
   Deve ser uma crônica tecida. Isso. Deve sair como uma teia, feita com cuspe e paciência. Mas ligei­ro, que o jornal não pode esperar.
   Quem  sabe  uma  linha  de  cada  vez,   para apressar?
   Linhas soltas, pendentes, diáfanas, para pegar as ideias no ar, como insetos?
   Linhas repetidas, para simetria?
   Linhas repetidas, para simetria?
   Linhas re. . .
   Não. Preciosismo gráfico. A diferença entre a aranha e o cronista é que a aranha não tem nenhuma angústia estilística. A aranha não entende de forma. A forma, na sua vida, é apenas uma correta disposi­ção da saliva, não peça para ela explicar. A Anita, por exemplo, diria apenas:
   — Eu não sei explicar, entende? Não há nada pra explicar. É tudo só pra pegar inseto, entende? Pra matar a fome e sobreviver, entende? Eu não que­ro dizer nada com a minha teia, não há nenhuma mensagem, entende?
   Já o cronista se esforça para provar o contrário, que o seu estilo é a desfiação final das dezessete mil maneiras de dizer qualquer coisa, e que se ele escolheu esta maneira de dizê-la, então a sua escolha, a sua forma, tem tanta importância quanto o que ela — a linguagem, entende? — representa, ou então, deixa ver, acho que me enredei um pouco, é melhor deixar. Olha aí, peguei uma ideia no ar mas ela caiu. O que o cronista quer dizer é que a sua teia é um en­genho da imaginação, uma decisão sobre o mundo, alguma coisa além de uma armadilha para o almoço. Ao contrário da aranha, eu posso explicar todas as minhas metáforas. Com metáforas, é claro.
   Digamos que, junto com a Anita e a Arabela, levassem um cronista para o espaço. Com objetivos puramente científicos. Como se comportaria um esteta no vácuo? Dentro da nave pressurizada, o cronista seria instruído a fazer literatura enquanto as aranhas fizessem suas teias. Uma comparação. O cro­nista hesitaria. O cronista teria dúvida no espaço. Sem falar em enjoo de estômago e surtos de melancolia.
   — Vamos, comece — diria o amerirusso no comando da expedição.
   — Pera um pouquinho!
   — Como, esperar? Olha ali, as aranhas já começaram.
   — Peraí, pô. As aranhas não pensam. Eu pen­so, logo pera um pouquinho. Não tem nada pra beber aí? Deixa ver. Uma crônica. Hmm. . . Quantas lau­das? A favor ou contra? Como é que eu posso escre­ver de cabeça para baixo? Com esse papel não dá! Ai, meu saco. Eu não me ajeito com máquina elétrica... Escrever o quê?
   — Escreva duas laudas e meia sobre as ara­nhas no espaço.
   — Bom, tá bem, mas primeiro algumas considerações preliminares sobre forma.

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