Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Aprendendo a praguejar - O Globo e Bom Dia (22/05/11)

Na peça “A tempestade” de Shakespeare, Caliban é uma representação do que o selvagem significava para a imaginação europeia, quando se alastravam a exploração dos novos mundos e os encontros, ou choques, com seus habitantes primitivos. Metade gente e metade bicho, Caliban é uma curiosidade, uma ameaça, um estorvo e um desafio à classificação.

Muitos anos depois de Shakespeare, em pleno século dezenove, ainda se discutia na Europa se os selvagens eram humanos e tinham alma. Na peça ele é um servo rebelde e uma manifestação do Mal — quando não é um divertimento para Próspero e os outros. E era assim que ele existia no pensamento europeu: como um estranho, um possível escravo, uma possível fera e um eventual espetáculo. Mas Caliban tinha uma coisa que nenhum outro da sua raça — fosse ela qual fosse — tinha: suas falas eram escritas por Shakespeare.

É do seu autor a frase em que Caliban diz a Próspero que este lhe ensinou a falar como um homem, e que seu lucro nisso foi que aprendeu a praguejar. Substitua-se “praguejar” por protestar, denunciar, reivindicar e temos em Caliban o primeiro contestador de impérios coloniais, o primeiro nativo a falar de igual para igual com o senhor branco, o primeiro a rogar pragas contra a sua situação e a pedir justiça. E a usar o vocabulário do dominador contra ele próprio.

A Europa hoje enfrenta imigrantes que chegam aos borbotões na busca do seu direito a sobreviver, fugindo de ex-colônias deflagradas onde não há futuro. A falta de cadência shakespeariana às suas razões é suprida pela linguagem do desespero, mas o que os move é o mesmo vocabulário que Caliban tomou de Próspero para rejeitar um destino que o condenava a ser sub-humano.

Os “selvagens” aprenderam a praguejar, o que agora significa contrariar a fatalidade de terem nascido no lugar errado, e na forma errada. Se fossem dinheiro, emigrariam para onde quisessem, para onde houvesse oportunidades, em impulsos eletrônicos. Como são gente...

sábado, 21 de maio de 2011

‘Meu nome é Ed Mort’, no Multishow

Luís Fernando Veríssimo negocia com o Multishow os direitos de adaptação de “Ed Mort e outras histórias”. A ideia de Guilherme Zattar, diretor do canal, é produzir uma série com 13 episódios para o ano que vem.


‘Mort’ 2

O papel do detetive que se apresenta com a frase “Meu nome é Mort. Ed Mort” caberá a Fernando Caruso, contratado do Multishow. A multiartista Letícia Novaes vai interpretar a assistente dele.

Fonte: O Globo

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Sem ressentimentos - Estadão, O Globo e Bom Dia (19/05/11)

A melhor piada sobre a paixão dos franceses pelo Woody Allen foi feita pelo próprio Woody Allen. Naquele filme em que ele é um diretor que fica cego no meio das filmagens, continua a filmar mesmo sem enxergar nada e, claro, faz um filme que ninguém entende — a não ser os franceses, que descobrem significados ocultos no caos.

O filme termina com o diretor, ridicularizado pela crítica americana, embarcando para a França, onde será homenageado pela sua obra-prima.

Depois desta estocada satírica era de se esperar que os franceses ficassem magoados com Woody. Mas a paixão continua, sem ressentimentos. Ele foi convidado a apresentar seu último filme na inauguração do Festival de Cannes, fora de concurso, e os franceses o adoraram.

O filme, "Meia-noite em Paris", é uma louvação a tudo que Paris representou para os americanos de uma certa época, a "geração perdida" de Hemingway, Fitzgerald e etc., que fizeram da cidade o palco da sua afirmação artística e pessoal.

Allen já tinha homenageado outra Paris, a que Gene Kelly e Fred Astaire haviam usado como cenário das suas fantasias musicais, no filme "Everybody says I love you", culminando com uma dança à beira do Sena em que Woody e Goldie Hawn parodiavam Gene Kelly e Leslie Caron em "Um americano em Paris" e resumia todo o romantismo que a cidade inspirava.

Sem querer estragar o filme para quem ainda não viu, em "Meia-noite em Paris" Woody acompanha seu personagem principal numa viagem ao passado, a Paris pré-Segunda Guerra Mundial, em que ele encontra e convive com seus ídolos intelectuais, não apenas os americanos que giravam em torno de Gertrude Stein, mas gente como Picasso, Buñuel e até Salvador Dalí, numa ótima ponta de Adrien Brody.

O visitante do presente chega a interferir na vida destas personalidades (acalmando a Zelda Fitzgerald com um Valium, por exemplo). E como na época de ouro de qualquer lugar sempre se evoca uma época de ouro que houve antes, o personagem viaja para mais longe no tempo e conhece Toulouse Lautrec, Gauguin e outros — que também falam com saudade de uma época de ouro que passou.

Ele acaba voltando para o presente e a Paris de Carla Bruni, e comenta que o problema com a nostalgia de outros tempos é que as pessoas nem sempre se dão conta do que era a vida antes de existir, por exemplo, a anestesia. Mas o que Woody Allen quis fazer foi outra declaração de amor para eliminar todos os possíveis mal-entendidos. E dizer que em Paris todas as épocas são de ouro. Algumas só brilham mais do que outras.

(A melhor piada do filme, que não passa de um simpático conto de fadas: um detetive contratado para seguir o personagem na sua fuga ao passado se perde no tempo e se vê no século dezoito, dentro do palácio de um dos Luíses e sendo perseguido pela guarda real.)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Infidelidade

   — Eu jamais fui infiel a minha mulher, doutor.
   — Sim.
   — Aliás, nunca tive outra mulher. Casei virgem. 
   — Certo.
   — Mas, desde o começo, sempre que estava com ela, pensava em outra. Era a única maneira que conseguia, entende? Funcionar.
   — Funcionar?
   — Fazer amor. Sexo. O senhor sabe.
   — Sei.
   — No princípio, pensava na Gina Lollobrigida. O senhor se lembra da Gina Lollobrigida? Por um período, pensei na Sofia Loren. Fechava os olhos e imaginava aqueles seios. Aquela boca. E a Silvana Mangano. Também tive a minha fase de Silvana Mangano. Grandes coxas.
   — Grandes.
   — Às vezes, para variar, pensava na Brigitte Bardot. Aos sábados, por exemplo. Mas para o dia-a-dia, ou noite-a-noite, preferia as italianas.
   — Não há nada de anormal nisso. Muitos homens...
   — Claro, doutor. E mulheres também. Como é que eu sei que ela não estava pensando no Raf Valone o tempo todo? Pelo menos eram da mesma raça.
   — Continue.
   — Tive a minha fase americana. A Mitzi Gaynor.
   — Mitzi Gaynor?!
   — Para o senhor ver. A Jane Fonda, quando era mais moça. Algumas coelhinhas da Playboy. E tive a minha fase nacionalista. Sônia Braga. Vera Fischer. E então começou.
   — O quê?
   — Nada mais adiantava. Eu começava a pensar em todas as mulheres possíveis. Fechava os olhos e me concentrava. Nada. Eu não conseguia, não conseguia...
   — Funcionar.
   — Funcionar. Isso que nós já estávamos na fase da Upseola.
   — Upseola?
   — Uma por semana e olhe lá. Mas nada adiantava. Até que um dia pensei num aspirador de pó. E fiquei excitado. Por alguma razão, aquela imagem me excitava. Outro dia pensei num Studebaker 48. Deu resultado. Tive então a minha fase de objetos. Tentava pensar nas coisas mais estranhas.
Um daqueles ovos de madeira, para cerzir meia. Me serviu duas vezes seguidas. Pincel atômico roxo. A estátua da Liberdade. A ponte Rio-Niterói. Tudo isto funcionou. Quando a minha mulher se aproximava de mim na cama eu começava, desesperadamente, a folhear um catálogo imaginário de coisas para pensar. O capacete do kaiser? Não. Uma Singer semi-automática? Também não. Um acordeom, quente, resfolegante... Mas, depois de um certo tempo, passou a fase das coisas. Tentei pensar em animais. Figuras históricas. Nada adiantava. E então, de repente, surgiu uma figura na minha imaginação. Uma mulher madura. O cabelo começando a ficar grisalho. Olhos castanhos... Era eu pensar nessa mulher e me excitava. Até mais de uma vez por semana. Até as segundas-feiras, doutor!
   — E essa fase também passou?
   — Não. Essa fase continua.
   — Então, qual é o problema?
   — O senhor não vê, doutor? Essa mulher que eu descrevi. É ela.
   — Quem?
   — A minha mulher. A minha própria mulher. Me ajude, doutor!

terça-feira, 17 de maio de 2011

La tristesse - Estadão (15/05/11)

Auvers-sur-Oise é uma cidadezinha à beira do rio Oise, alguns quilômetros ao norte de Paris. Não chega a ser a "France profonde". Com sua proximidade à capital é mais um lugar para casas de campo e escapadas de fim de semana dos parisienses. Mas Auvers é importante. Foi para lá que Vincent Van Gogh se mudou no fim da sua vida. Atormentado por problemas mentais, ele quis estar perto do dr. Gachet, um médico da região que lhe fora recomendado pelo pintor Pissarro. (Um retrato do dr. Gachet está entre as suas últimas obras, que também incluem uma pintura da igreja de Auvers.) Mas, principalmente, Van Gogh foi para Auvers para estar mais perto do seu irmão Theo.


*** 


A relação entre Vincent e Theo Van Gogh é das mais ricas e, finalmente, pungentes da história da arte. Não apenas porque a ajuda financeira de Theo permitiu a Vincent - que em toda a sua vida só vendeu um quadro - dedicar-se à pintura, mas porque tudo que se sabe sobre os pensamentos e os sentimentos de Van Gogh está nas suas cartas para o irmão mais velho, seu confidente e conselheiro. Sem Theo não haveria Vincent. Quando decidiu ir viver em Auvers, Van Gogh talvez estivesse inconscientemente se aproximando do irmão para morrer perto dele. No dia 27 de julho de 1890, Van Gogh se deu um tiro no peito. Morreu dois dias depois nos braços de Theo. Suas últimas palavras foram "La tristesse durera toujours". A tristeza durará para sempre.


***


Há dias fomos ao cemitério de Auvers-sur-Oise onde estão enterrados Vincent e Theo, que morreu alguns meses depois do irmão. O cemitério fica numa colina em meio a um trigal. O trigo estava verde. Van Gogh poderia transformá-lo em amarelo, e acrescentar alguns redemoinhos ao azul daquele céu de primavera, mas o dia era irretocável. Os dois irmãos estão enterrados lado a lado. Sepulturas simples, com um quadrilátero de plantas na frente. As duas lápides são absolutamente iguais. Os nomes, as datas de nascimento e morte, e só. Com um pouco de imaginação você concluiria que, na morte como na vida, Theo estivesse ali para proteger seu desafortunado irmão. Mas nada nas lápides os diferencia. E Van Gogh tinha razão. A tristeza o perdurava. A tristeza durará para sempre. 


Brod. Max Brod não era parente de Franz Kafka. Os dois só eram grandes amigos. E Kafka pediu a Max Brod que impedisse a publicação dos seus livros e queimasse todos os seus escritos, quando ele morresse. Não se sabe se Kafka pediu que Brod prometesse, solenemente, fazer o que ele pedia. Se fez o Brod jurar. O fato é que se deve à decisão de Brod de trair a confiança do amigo a existência literária de Kafka, que só foi publicado postumamente. Se a humanidade deve a Theo e sua dedicação ao irmão as grandes pinturas de Van Gogh, deve à infidelidade de Brod a obra impressa do Kafka. Sem Brod não haveria Kafka.


***

Sei pouco sobre a posteridade de Brod, que entrou para a história da literatura apenas como responsável pela posteridade de outro. Também não sei como foi sua escolha entre assegurar a posteridade de Kafka e honrar seu pedido. A fogueira já estaria acesa quando ele decidiu preservar os escritos? E o remorso? Alguma vez Brod se arrependeu de ter sido um amigo inconfiável, recusando a Kafka o esquecimento desejado? Seja como foi, obrigado Max. E você também, Theo.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Silogismos sujos - O Globo e Bom Dia (15/05/11)

Silogismo, nos diz o dicionário, é uma dedução pela qual duas premissas levam a uma terceira, ou a uma conclusão lógica. Por exemplo: todo homem é mortal, eu sou homem, logo tchau.

O dicionário enumera vários tipos de silogismos, mas não inclui o que se pode chamar de silogismo aético — ou a dedução lógica que leva a uma conclusão imoral, ou pervertida. Exemplo: se não fosse a influência da cultura negra a civilização ocidental seria muito mais sem graça — para não falar em sem ritmo e sem colorido — do que é, logo foi bom existirem a escravatura e a diáspora forçada de negros da África.
Outro exemplo, ainda pior: é inimaginável a cultura americana sem a contribuição de intelectuais e artistas judeus expulsos da Europa pelo fascismo, foram os nazistas que os expulsaram, logo o fascismo não foi tão ruim assim.

(Ninguém faz esse tipo de dedução a sério mas há algo de silogismo sujo na defesa que se ouve de governos fortes, ou da ordem como a principal virtude de uma sociedade, mesmo com o sacrifício de direitos e liberdades. Há um silogismo sujo à espreita sempre que se procura justificar os excessos de um regime repressivo com supostas realizações do regime, em repetidas tentativas de reescrever ou absolver o passado. Como no Brasil.)

A diáspora africana nos deu o samba, o jazz e todos os ritmos caribenhos, certo. O fascismo, o comunismo e outros ismos persecutórios mandaram grandes cabeças e talentos para as Américas. Basta lembrar o caso dos Estados Unidos, onde gente como Saul Steinberg, Billy Wilder e Vladimir Nabokov, para citar poucos, não teria tido a experiência do exílio e da realização artística no desterro se não tivesse que fugir de Hitler, de Mussolini e dos bolcheviques.

Mas, em vez da racionalização amoral de um silogismo sujo para conter esse paradoxo, deve-se pensar nele como efeito colateral da grande desarrumação da História. A História é explosiva, as explosões acabam com qualquer ideia de lógica ou simetria, logo vá entender.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Steinberg - Estadão, O Globo e Bom Dia (12/05/11)

O romeno Saul Steinberg chegou aos Estados Unidos fugido da Europa em guerra carregando uma coleção de papéis oficiais, documentos, salvo-condutos, rubricas e assinaturas, a maior parte - pelo menos era o que contava para os amigos - falsificada por ele mesmo. Era a representação gráfica de uma rota de fuga que passou por Itália, Espanha, Portugal, República Dominicana e até Brasil, antes de acabar em Nova York. Não admira que Steinberg gostasse de inventar assinaturas ultraelaboradas e timbres extravagantes e que carimbos falsos repetidamente adornassem seu trabalho - em alguns casos substituindo o sol. Ele fazia uma paródia da burocracia das fronteiras pelas quais tinha passado e ao mesmo tempo reduzia o trágico século 20, século de exilados e refugiados, ao seu puro encanto visual. A verdadeira arte do século, sugeria Steinberg, era a da ornamentação dos passaportes. 

Ele gostava de produzir papéis pseudo-oficiais - diplomas, certificados de premiação, passaportes completos - para os amigos, caprichando nas assinaturas pomposas e nos carimbos ininteligíveis. Era a sua maneira de ironizar o mundo protocolar e o oficialismo repressivo da época. Gostava de contar que tinha se tornado "Dottore in Architetura" em 1940 sob o regime fascista, e que no seu diploma, concedido em nome de Victor Emmanuel III, rei da Itália e da Albânia e, graças a Mussolini, imperador da Etiópia, estava escrito "Steinberg, Saul... de razza Ebraica" Numa entrevista à revista Time, disse: "Era uma espécie de precaução para o futuro, significando que embora fosse "dotore" eu poderia ser impedido de praticar já que sou judeu. A beleza disto para mim é que o diploma foi dado pelo rei, mas ele não é mais rei da Itália nem da Albânia. Não é sequer imperador da Etiópia. E eu não sou arquiteto. A única coisa que resta é a "razza Ebraica"". 


Como no caso de outro emigrado da cultura europeia, Vladimir Nabokov, os Estados Unidos provocaram em Steinberg repulsa e fascinação em doses iguais. O vazio das suas paisagens urbanas, a vulgaridade das suas matronas oxigenadas, o rococó inconsciente da Califórnia, a violência. E também a vitalidade, a criatividade, a generosidade com a arte. Na mesma entrevista para a Time, Steinberg declara que "Deve-se ver muito do meu trabalho como uma espécie de paródia de talento". Um dos mais hábeis artistas gráficos do mundo dizia que sua intenção era criar uma ficção de habilidade. 

Está para inaugurar uma mostra de Saul Steinberg no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro. É uma oportunidade para comprovar a modéstia do gênio. O parodista foi um fiel intérprete do seu tempo. Sua arte era tudo menos uma ficção.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O doutor Mindinho

Os irmãos tinham se criado ouvindo as histórias do doutor Mindinho, o menor homem do mundo, que o pai contava para fazê-los dormir. De como ele tinha sido atirado, de estilingue, atrás das linhas inimigas durante a II Guerra Mundial para atuar como espião e fora descoberto em seguida porque não tinha como esconder a câmara em miniatura. Sua fuga espetacular, mesmo que involuntária, do campo de concentração, nas garras de um gavião que o confundira com um rato. Isto depois de ter escapado do fuzilamento porque o pelotão não conseguiu acertá-lo. Por sua atuação durante a guerra o doutor Mindinho fora condecorado, e caíra para a frente com o peso da medalha. Desfilara em triunfo pelas ruas da sua cidade num carro de bebê aberto e tivera que ser socorrido às pressas debaixo do confete. Apesar de herói, a vida do doutor Mindinho não fora fácil depois da guerra. Tentara ser músico, tocando trompete, mas sem sucesso. Conseguia soprar a boquilha, mas não chegava a tempo de pressionar os pistons. Aceitara trabalhos degradantes, como limpar dedais. Chegou até a ser homem-bala num circo, onde todas as noites era disparado de uma espingarda contra uma rede. Dançava e cantava na rua e depois passava o chapéu, mas no chapéu só cabia uma moeda de cada vez. Um dia, no entanto, sua sorte mudou. Fundou uma microempresa para resgatar coisas de dentro dos sofás. O próprio doutor Mindinho, vestindo uma roupa especial para o que ele chamava de estofandrismo - escafandrismo em estofados -, entrava movéis adentro em excursões que podiam durar dias e das quais voltava, muitas vezes, com verdadeiras fortunas. Pelo contrato, ficava com metade de tudo que encontrasse dentro dos sofás, fossem moedas, jóias ou tampas de caneta. Enriqueceu. Construiu uma casa com uma enorme banheira para poder velejar. Andava pela rua sempre com um caro charuto entre as mãos e com um anel de diamante no pescoço, arrastado por um chiuaua preso numa coleira de brilhantes. Usava gravatas-mosquito importadas e ternos de uma ombreira só para os dois ombros, feitos por alfaiates famosos. Quando entrava em grandes restaurantes levando grandes mulheres pelo tornozelo nunca deixava de enfiar, discretamente, algumas notas de mil na bainha da caça do maître, para ser bem servido. Eram muitas as histórias do inesquecível Mindinho.

Tão inesquecível que, mesmo depois de grandes, os irmãos volta e meia o invocavam. Como quando caía alguma coisa num lugar inacessível:

- Isso é um trabalho para o doutor Mindinho...

Ou se punham a conjeturar por que o doutor Mindinho das histórias do pai era “doutor”.

- Advogado de pequenas causas.

- Não, não. Cirurgião. Desistiu da profissão depois da vez em que o esqueceram dentro de um paciente.

Os irmãos ficaram adultos, foi cada um para o seu lado e formou cada um sua família. Mas não conseguem interessar os próprios filhos nas aventuras do doutor Mindinho. Os filhos só querem saber de heróis eletrônicos. O remédio é eles mesmos trocarem histórias do velho personagem. Que, com o passar do tempo, foram ficando um pouco amargas. O doutor Mindinho ultimamente tem pensado muito em suicídio, por exemplo. Por quê?

- Teve um caso com a Luiza Brunet e ela não notou.

- O Nelson Ned deu um croque na cabeça dele.

Como seriam as tentativas de suicídio do doutor Mindinho?

- Se atirou do térreo.

- Se enforcou na viga da casa de cachorro.
 
- Meteu a cabeça numa tomada de luz!

Hoje os irmãos moram em cidades diferentes. Ás vezes trocam telegramas:

“Lamento informar doutor Mindinho vítima grave acidente na Suíça PT Avalanche e soterrou.”

“Peço urgente notícias estado saúde doutor Mindinho vítima avalanche neve Suíça.”

“Neve não PT Ervilhas.”

Ou então:

“Doutor Mindinho estado gravíssimo depois ato heróica imprudência.”

“Peço esclarecimento natureza ato envolvendo inditoso doutor.”

“Doutor Mindinho atacou sozinho forte Playmobil.”

Etc. Mas não é a mesma coisa.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Os inventores - O Globo e Bom Dia (08/05/11)

Não há muito o que inventar no futebol. Depois que desapareceram os ponteiros e os laterais viraram alas, o futebol parou de mudar. Ficou mais corrido e mais disputado, é verdade, mas isto tem a ver com preparo físico e com o robustecimento geral da espécie, nada a ver com táticas.

Hoje um técnico de futebol interfere no jogo pela quantidade de jogadores que escolhe por setor. Três atrás, uma multidão no meio e um na frente. Quatro-quatro-dois. Etc. Sua criatividade se resume em variar os números.

Criatividade mesmo é a do bom jogador, que dentro de campo inventa muitas maneiras diferentes de jogar, e aí o mérito do treinador é o de tê-lo escalado. Mas qual foi a última vez que apareceu uma nova tática, uma quebra na ortodoxia do futebol?

Aquela seleção da Holanda em que todo o mundo jogava em todo o campo o tempo todo foi uma demência que deu certo, e nem tão certo assim, mas demência não pode ser exemplo. Quem mais?

E no entanto houve um tempo de inventores. Quando o próprio futebol primitivo se prestava à experiência e à novidade. Sabemos dos inventores por relatos nem sempre confiáveis. Nunca fica claro onde termina a memória e começa a fantasia. Aimoré Moreyra era mesmo o mago que dizem, ou sua fama de estrategista tem mais mito do que fato?

Flávio Costa, técnico da seleção na fatídica Copa de 50, tinha inventado a “diagonal”, que nunca se ficou sabendo exatamente o que era. Mas era uma experiência nova. Não havia um Martim Francisco, considerado o filósofo do futebol? O ex-jogador Tim se transformara em técnico e também conquistara a fama de grande estrategista.

Transmitia suas teorias aos jogadores e demonstrava como deveriam fazer na prática com botões em cima de uma mesa. E constantemente se queixava porque seus botões se movimentavam melhor do que seus jogadores.

Mudanças pequenas podiam ser revolucionárias, quando o futebol de hoje começava a tomar forma. O simples recurso de jogar com um ponteiro direito recuado e fechando o meio-campo, no caso o Telê, fez do Fluminense dos anos, sei lá, 50 um time diferente e vitorioso.

A tática passou a ser copiada, mas tornou-se mais comum recuar o ponteiro esquerdo, e o exemplo mais bem sucedido desse “jogador tático” foi o Zagalo, consagrados — o jogador e a tática — na Copa do Mundo de 58.

Talvez o ponteiro armador tenha sido a última invenção da era dos estrategistas, reais ou mitológicos, antes da grande revolução que acabou com os ponteiros e inaugurou a ortodoxia atual. Hoje bom treinador é um bom psicólogo, que saiba condicionar e empolgar seu time, enxergue as falhas e saiba corrigi-las e acerte na distribuição dos seus números.

Talvez ainda se usem os botões do Tim, mas não há mais nada para ser mudado.

sábado, 7 de maio de 2011

O Mendoncinha

- Tente relaxar...

- Desculpe. É que tem uma parte de mim que, entende? Fica de fora, distanciada, assistindo a tudo. Uma parte que não consegue se entregar...

- Eu entendo.

- É como se fosse uma terceira pessoa na cama.

- Certo. É o seu superego. O meu também está aqui.

- O seu também?

- Claro. Todo mundo tem um. O negócio é aprender a conviver com ele.

- Se ele ao menos fechasse os olhos!

- Calma. Eu sei como você se sente. Nestas ocasiões, sempre imagino que a minha mãe está presente.

- A sua mãe?

- É. Ela também está conosco nesta cama.

- Você se analisou?

- Estou me analisando. Pensando bem, ele também está aqui.

- Quem?

- O meu analista. Nesta cama. Meu Deus, ao lado da minha mãe!!

- Meu pai está aqui...

- Seu pai também?

- Meu superego e meu pai.

- O superego e o pai podem ser a mesma pessoa. Será que um não acumula?

- Não, não. São dois. E não param de me olhar.

- Mas sexo é uma coisa tão natural!

- Diz isso pra eles.

- Na verdade, não é mesmo? Nem nós somos só nós. Eu sou o que eu penso que sou, sou como você me vê...

- E a gente também é o que pensa que é para os outros.

- Quer dizer: cada um de nós é, na verdade, três.

- Quatro, contando com o que a gente é mesmo.

- Mas o que que a gente é mesmo?

- Sei lá. Eu...

- Espere um pouco. Vamos recapitular. Do seu lado tem você - aí já são no mínimo três pessoas - o seu superego, o seu pai...

- Do seu lado, vocês três, a mãe de vocês e o analista.

- E o meu superego.

- E o seu superego.

- Mais ninguém?

- O Mendoncinha.

- Quem?!

- Meu primeiro namorado. Foi com ele que...

- Espera um pouquinho. O Mendoncinha não.

- Mas...

- Bota o Mendoncinha para fora desta cama.

- Mas...

- Ou sai o Mendoncinha, ou saímos eu e a minha turma!

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O Obama e a Pippa - Estadão, O Globo e Bom Dia (05/05/11)

Obama pegou Osama. Numa única semana o Baraca respondeu aos críticos da direita que o acusavam de não ter nascido nos Estados Unidos, apresentando sua certidão de nascimento, e aos que o chamavam de frouxo no combate ao terrorismo, localizando e mandando matar o Bin Laden, que Bush tinha deixado escapar quando ele foi encurralado em Bora Bora. É verdade que quem não acreditava no Obama continua não acreditando. (Piada que corre: a certidão de nascimento não convenceu, agora querem ver a placenta). Na sua cobertura da morte de Bin Laden a rede Fox News quase não mencionou o presidente, preferindo destacar os méritos do governo Bush na sua perseguição. Mas as próximas pesquisas de opinião devem mostrar uma melhora na avaliação do Obama. Agora só falta a economia reagir ou a Michelle engravidar e a reeleição está garantida.

Casamento. Gente, e a Pippa? Todo o mundo prestando atenção na cauda da Kate e na fantasia de general de opereta do William e a verdadeira atração da festa era a irmã mais moça da noiva, Philippa, chamada Pippa. Ela só não foi mais importante do que a cauda porque a cauda tinha mensagem. Com a Inglaterra sofrendo sob as medidas de inédita austeridade impostas pelo governo conservador, a cauda foi encurtada um pouco para não parecer um acinte, mas não tanto que perdesse a imponência. Uma cauda longuíssima como a que Diana arrastou no seu casamento, em tempos melhores, destoaria dos sacrifícios que a nação é obrigada a fazer. Como estava, estava de bom tamanho. De bom tamanho também estava a Pippa, menos bonita do que a irmã mas mais interessante, e mais, como direi, rechonchuda. Grande palavra que, como se sabe, não quer dizer gorda e sim saliente nos lugares certos. O príncipe Phillip está meio apagadão. Não é verdade que tenha acordado no meio da cerimônia e perguntado quem era o louco que estava se casando. Já a rainha parece cada vez mais encantada com seus próprios chapéus. Pode-se imaginar que seu prazer de reinar hoje se resume no prazer de usar chapéus. O que explicaria sua relutância em renunciar em favor do Charles. Como renunciar aos chapéus? E Charles continua sendo a inutilidade mais cara do mundo.

Inevitável. (Da série Poesia numa Hora Dessas?!)

Assim tem sido através dos tempos
e em qualquer era:
o imprevisto sempre acontece
quando menos se espera.

Luis Fernando Veríssimo critica postura do Inter e lamenta derrota: "Não existe explicação"



Ao ser convidado para participar na manhã desta quinta do programa Redação SporTV, o escritor Luiz Fernando Veríssimo tinha a expectativa de comentar uma bela vitória colorada. Coube, no entanto, ao célebre torcedor a missão de tentar explicar o motivo da derrota por 2 a 1 para o Peñarol, que eliminou o Inter da Copa Libertadores.

Para o gaúcho, a quarta-feira foi "macabra" para os brasileiros na competição continental e só teve a tristeza diminuída porque os demais representantes do país também foram eliminados, com exceção do Santos que se classificou na última terça-feira.


— Não existe explicação — diz Veríssimo, que sequer se preocupou em assistir ao jogo tamanha era a confiança na classificação. — Nem secar o Grêmio eu sequei, e nem vi os outros resultados. Fiquei sabendo depois, ao chegar em casa.

Veríssimo bem que tentou não dar sua opinião quanto à escalação do Inter. Mas ao fazer as vezes de comentarista, deu uma opinião polêmica: defendeu a saída do time de um de seus maiores ícones da atualidade.

— Não tenho nenhuma pretensão de ser um analista de futebol. Gosto, me envolvo, sou colorado. Mas algumas coisas são óbvias no Inter. Ninguém discute o Guiñazu. É um jogador admirável pelo empenho, se dedica, mas não é um jogador muito criativo, e ali falta um jogador criativo. Tenho grande admiração por ele, mas ele tem essa falha — disse o escritor.

Veríssimo criticou a postura do Internacional na partida contra o Peñarol, que podia empatar em 0 a 0 que garantiria a passagem para as quartas de final da Libertadores. "O que houve ontem foi uma inversão de papéis. O time que precisava ganhar, o Peñarol, jogou no contra-ataque. O time que podia empatar, jogou para a frente. Se lançou para a frente. Foi uma inversão de papéis e deu no que deu", afirmou na entrevista ao canal de televisão Sportv.


Cronista desde 1962, quando escreveu sobre a inauguração do Beira-Rio, Luis Fernando não tem a pretensão de ser um analista profissional de futebol, mas não nega ser um torcedor assíduo e que tem opiniões sobre o esporte preferido. A paixão é tanta, que ele deixa de lado até o amor que tem pela música. Ele toca saxofone no Jazz 6, que costuma chamar de o menor "sexteto" do mundo, por contar com apenas cinco integrantes. "Prefiro o futebol", revela Veríssimo que começou a acompanhar o Inter em 1946, quando tinha 10 anos.


Sobre a derrota para o Peñarol, o escritor, que costuma assistir as partidas pela televisão, se mostrou frustrado com o resultado da equipe comandada por Falcão. E revelou que o sentimento foi parecido com o revés sofrido diante do Olímpia, do Paraguai, na Libertadores de 1989, quando o time vermelho podia empatar em casa, pois havia vencido o primeiro jogo por 1 a 0, e foi derrotado nos pênaltis. Apesar da tristeza, pela desclassificação, Veríssimo pede tempo para o ídolo Falcão mostrar serviço no Inter.

"Eu como torcedor do Internacional tenho a memória do grande Falcão jogando no meio de campo. Foi um grande jogador. Completo. A gente se entusiasma só com a presença dele. É um símbolo das vitórias do Internacional. Então acho que, apesar dessa derrota e de algumas falhas, a gente deve acreditar nele porque representa muitas coisas para o Internacional. E coisas importantes", declarou.


Com viagem marcada para Paris, o cronista não estará presente em Porto Alegre nos Gre-Nais que definirão o Campeão Gaúcho de 2011 nos próximos finais de semana, mas acredita que os times, mesmo abalados pelas desclassificações, farão dois clássicos muito disputados.


"Vai ser um encontro de abalados. De sofridos. O Internacional, tem um plantel melhor. Eu sempre digo que o Inter é o maior time hipotético do Brasil. Porque tem sempre aquela hipótese do plantel mostrar um futebol exuberante e poucas vezes ele apresenta, mas a potencialidade está ali, então, acho que está mais para o Internacional do que para o Grêmio", afirmou.


Internacional e Grêmio começam a disputa pelo título do estadual no próximo domingo, às 16h, no estádio Beira-Rio. Como o tricolor gaúcho tem melhor campanha geral na competição, o jogo final será disputado no Olímpico, no dia 14, também às 16h.

    Luis Fernando Verissimo: Astrólogo por um dia

    E o grande texto da imprensa brasileira nesta quarta-feira (04/05) é o horóscopo  escrito por Luis Fernando Verissimo para o jornal gaúcho “Zero Hora”, que completa 47 anos. Pra comemorar a data, Verissimo voltou à seção em que começou no jornalismo, em 1967, e ainda editou o caderno de cultura do jornal.


    Veja o que os astros dizem do seu signo, com a irreverência de Verissimo


    Áries
    Atrás de você, cuidado! Brincadeira. Você não sofrerá nenhuma ameaça. Nem tudo será perfeito, claro, mas quando a vida lhe sorri, não importa que ela não tenha alguns dentes. Agradeça o que você tem, pare de sonhar com o impossível e não chateie. Sua cor é o marrom.


    Touro
    Aquele seu plano envolvendo o bispo, o anão hermafrodita e o contrabando de alfajores do Uruguai  – você sabe do que eu estou falando – não daria certo. Deixe para a semana que vem, quando a Lua será propícia. Seu número de sorte é impar, maior que três e menor que 725. Não posso dizer mais nada.


    Gêmeos
    Simplifique a sua vida. Pare de pagar suas contas. Em vez da declaração de renda, mande um bilhete desaforado para a Receita Federal. Se reclamarem, dê risadas irônicas. Ande de chinelo de dedo com meias e lixe-se para os comentários. Você comanda o seu próprio destino. Mas muito cuidado nos cruzamentos, porque pode vir outro louco.


    Câncer
    Evite alho-poró e pessoas chamadas Itamar, Fulvio Luiz ou Dalva Maria, principalmente à noite. Vênus entrou na casa de Netuno, o que significa que suas finanças e sua vida sexual podem se deteriorar rapidamente – tudo dependerá do que acontecer lá dentro.


    Leão
    Você é uma pessoa decidida, voluntariosa, opiniática e, francamente, insuportável. Está num período de grandes realizações, mas não deve esquecer que aqueles em que você pisou para subir mal podem esperar para segurar o seu pé na descida. Na vida sentimental, cuide para não arruinar romances com esse seu hábito de responder “Ah é, é?” a cada declaração de amor.


    Virgem
    Não quero estragar seu dia, mas… Só vou dizer o seguinte: não saia da cama hoje. Se já se levantou e está lendo isto em outro lugar, volte para a cama imediatamente! Amanhã tudo voltará ao normal. A não ser que… Não, não. Tudo voltará ao normal..



    Libra
    Não esqueça de checar o prazo de validade de tudo, inclusive das pessoas com quem entrar em contato. (Muita gente que já ultrapassou o prazo continua, por assim dizer, nas prateleiras.) Você encontrará alguém que lhe transmitirá uma inquietação filosófica: “Como saber se a luz da geladeira apaga mesmo quando a gente fecha a porta?”. Afaste-se rapidamente.



    Escorpião
    O alinhamento dos astros favorece cruzeiros em navios de luxo, romances de bordo e visitas a lugares exóticos, mas não garante que você não enjoará o tempo todo e pedirá para morrer.  Se se arriscar, lembre-se que seu número na roleta é o 17. Pode não dar nada, mas é seu.



    Sagitário
    Aquele alguém que você esperava encontrar há tantos anos e que mudaria sua vida hoje estará dobrando uma esquina e esbarrando em você, dizendo “Não enxerga onde anda, não?” com irritação e seguindo adiante, porque seu signo é outro e sua previsão para hoje é completamente diferente.



    Capricórnio
    Parabéns. Seu futuro está assegurado. Você mesmo decidirá quanto ganha, terá prestigio, influência, mordomias… Mas primeiro terá que se candidatar e ser eleito.



    Aquário
    Abra-se para a vida, busque o que há de mais puro e autêntico do seu âmago e grite bem alto para os ventos: “Eu sou eu! Eu sou eu! Ou um fac-símile razoável!”. Abrace as contradições do mundo e declare seu amor por tudo que existe, seja animal, vegetal ou mineral, com a possível exceção do Ahmadinejad. Cante a beleza, cante a paixão e a Natureza, a qualquer hora do dia ou da noite. Só prepare-se para o protesto dos vizinhos.



    Peixes
    Estranhamente, não há nada previsto nos astros para os de Peixes, hoje. Talvez seja apenas um problema técnico.

    Fonte: Do Jornal Zero Hora via Blog Prosa Online de O Globo

    quarta-feira, 4 de maio de 2011

    Luis Fernando Verissimo de volta às origens: Escritor edita o Segundo Caderno do jornal Zero Hora desta quarta-feira (4)



     - Divulgação / clicRBS

    Foto:Divulgação / clicRBS

    Foi a mais divertida, e disputada, reunião de pauta do Segundo Caderno desde que frescuras como música, cinema e teatro trocaram as páginas do fundão do jornal por um latifúndio produtivo chamado "caderno de variedades" (ou Vale das Bonecas, segundo os colegas mais invejosos...). Isso aconteceu no final dos anos 60, mais ou menos na mesma época em que um rapaz de pouco mais de 30 anos fazia sua estreia no jornalismo na igualmente iniciante redação de Zero Hora.

    Para produzir esta edição especial pautada e comentada por Luis Fernando Verissimo, a equipe de repórteres e editores do Segundo Caderno reuniu-se na última quarta-feira com um respeitado veterano do jornalismo cultural, portanto. Bom, mais ou menos.

    Aos 74 anos, Verissimo é um dos autores mais queridos do país e também um dos que mais vendem. Mas o que o futuro escritor produziu nas paginas de ZH, entre 1967 e 1970, pode ter entrado para a história da literatura, mas dificilmente entraria para a história do jornalismo sério. O garoto aparentemente muito circunspecto, filho do escritor local mais famoso da época, contribuiu para esculhambar ainda mais um coreto que já não era lá muito santo. Produzindo pequenos textos supostamente informativos para o guia da programação cultural, o redator de poucas palavras e raros sorrisos não tinha o menor pudor em inventar lugares que não existiam (mas deveriam), como um certo CTG erótico de nome Ai Bota Aqui, e figuras do mais alto calibre social, como o grã-fino Aldo Gabarito. 

    Verissimo tinha a pachorra de assinar até mesmo a página de horóscopos – embora garanta que são totalmente falsos os boatos de que ele é a verdadeira identidade secreta da astróloga Zora Yonara (confira o talento do "astrólogo" Verissimo e uma tira inédita de As Cobras na página 11). O Rio Grande do Sul e o mundo não sabiam ainda, mas começava a nascer ali, no embrião do Segundo Caderno de Zero Hora, o escritor que conquistaria o país poucos anos depois.

    Nesta quarta-feira (3), o leitor de Zero Hora vai encontrar reportagens sugeridas por Luis Fernando Verissimo — algumas reproduzidas nesse site. Como acontece em qualquer redação de jornal, ideias de pautas muitas vezes nascem das experiências pessoais dos editores. Não foi diferente com nosso editor convidado. Saxofonista da banda Jazz 6 há 15 anos ("tocamos até em inauguração de pastelaria"), Verissimo sugeriu uma reportagem sobre a já antiga tradição jazzística da Capital (página 10). Fã de filmes italianos desde guri, pautou uma reportagem sobre a perda de influência do cinema que produziu Fellini, Visconti e Antonioni (página 9). 

    Falando nisso, durante a reunião, Verissimo contou que teve a descabida sorte de ser espectador involuntário das filmagens da clássica cena na Fontana di Trevi do filme A Doce Vida, de Fellini, com Anita Ekberg e Marcello Mastroianni. Um repórter muito cético, como devem ser todos os repórteres (até os de Cultura), desconfiou:

    — Será que o senhor não se enganou?

    — Pô, a Anita Ekberg dentro de uma fonte não dá pra confundir...

    Há ainda reportagens sobre as obras do Multipalco (páginas 6 e 7), que Verissimo esteve visitando há algumas semanas, sobre livros (página 8) e sobre "a arte de ficar" (páginas 4 e 5) — a respeito de artistas que optam por permanecer morando em Porto Alegre, como ele.

    Foi uma experiência inesquecível para o Segundo Caderno, concretizada em uma edição que, nós acreditamos, os leitores vão gostar muito também. Por tudo isso, só nos resta agradecer.

    Obrigada, Verissimo, por ter topado a brincadeira (a casa é sua, volte sempre!).

    Obrigada, Verissimo, por ter trocado o jornalismo cultural pela literatura. Os suplementos de cultura perderam em bom humor (e cara de pau), mas o Brasil ganhou um cronista inigualável.

    E obrigada, principalmente, por ter exercido a arte de ficar. Porto Alegre é muito mais inteligente, e divertida, quando o pai de Aldo Gabarito está por perto.

    Fonte: Site Jornal Zero Hora