Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

domingo, 1 de maio de 2011

Posteridades - Bom Dia e O Globo (01/05/11)

Albert Camus visitou Nova York e escreveu sobre suas emoções e perplexidades na cidade grande. Uma cidade, segundo ele, em que você poderia se perder para sempre, mas que ele acabou amando. Não sei se Camus viu mesmo a frase num anúncio de funerária ou se a inventou, para dar uma ideia do espírito e da estranheza do lugar, mas a frase é ótima: ‘Morra, e deixe o resto por nossa conta'. O único trabalho de um cliente de funerária é mesmo morrer, todo o resto, inclusive sua posteridade, não depende mais dele.

Eu só queria reproduzir a frase, mas já que começamos com Camus e a posteridade, entremos num assunto sobre o qual ele também opinou bastante, a relação dos intelectuais com a política e o poder.

Camus e Sartre foram dois exemplos de intelectuais engajados, Sartre um pouco mais do que ele. Engajaram-se na boa causa da resistência ao nazismo, divergiram em outras questões em que o inimigo não era tão claro.

Nenhum dos dois — a não ser que você lamente que Sartre nem sempre tenha medido suas adesões radicais — tem do que se arrepender, na posteridade. Outros não podem dizer o mesmo.

O fascismo teve muitos admiradores entre os intelectuais, inclusive no Brasil. Heidegger, Ezra Pound e Céline são apenas os mais notórios apologistas do nazismo, mas a lista é longa. E é longa a tradição de pensadores, criadores e filósofos que, por convicção ou distração, deram-se mal nas suas incursões políticas.

Uma resenha que li recentemente de um livro chamado “Examined lives — From Sócrates to Nietzsche” enumera alguns dos iludidos da história.

Platão achou que tinha descoberto o executor ideal da sua receita para uma república de filósofos em Dionísio de Siracusa, que revelou-se um tirano.

Aristóteles meteu-se com Felipe II, que tinha alguns genocídios na sua folha corrida, e foi o mentor intelectual de Alexandre, seu filho, que também tinha o gosto por matanças. Quando Alexandre morreu, Aristóteles fugiu de Atenas, alegando, não sei se ironicamente, que queria poupar a cidade que já obrigara Sócrates a tomar cicuta do vexame de matar mais um filósofo.

Em Roma, Sêneca tornou-se o filósofo da corte. Nada demais, se o imperador não fosse o pirotécnico Nero. Quando Sêneca se deu conta de onde estava metido e tentou sair, Nero acusou-o de traição e o mandou matar.

E nem Santo Agostinho escapou de uma mancha na sua posteridade. Quando chegou a bispo comandou a destruição de templos pagãos e a repressão brutal de não cristãos.

Mas, enfim, como no anúncio da funerária novaiorquina anotado ou imaginado por Camus, todos eles já morreram, e nada do resto era da sua conta.

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