Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Aprendendo a praguejar - O Globo e Bom Dia (22/05/11)

Na peça “A tempestade” de Shakespeare, Caliban é uma representação do que o selvagem significava para a imaginação europeia, quando se alastravam a exploração dos novos mundos e os encontros, ou choques, com seus habitantes primitivos. Metade gente e metade bicho, Caliban é uma curiosidade, uma ameaça, um estorvo e um desafio à classificação.

Muitos anos depois de Shakespeare, em pleno século dezenove, ainda se discutia na Europa se os selvagens eram humanos e tinham alma. Na peça ele é um servo rebelde e uma manifestação do Mal — quando não é um divertimento para Próspero e os outros. E era assim que ele existia no pensamento europeu: como um estranho, um possível escravo, uma possível fera e um eventual espetáculo. Mas Caliban tinha uma coisa que nenhum outro da sua raça — fosse ela qual fosse — tinha: suas falas eram escritas por Shakespeare.

É do seu autor a frase em que Caliban diz a Próspero que este lhe ensinou a falar como um homem, e que seu lucro nisso foi que aprendeu a praguejar. Substitua-se “praguejar” por protestar, denunciar, reivindicar e temos em Caliban o primeiro contestador de impérios coloniais, o primeiro nativo a falar de igual para igual com o senhor branco, o primeiro a rogar pragas contra a sua situação e a pedir justiça. E a usar o vocabulário do dominador contra ele próprio.

A Europa hoje enfrenta imigrantes que chegam aos borbotões na busca do seu direito a sobreviver, fugindo de ex-colônias deflagradas onde não há futuro. A falta de cadência shakespeariana às suas razões é suprida pela linguagem do desespero, mas o que os move é o mesmo vocabulário que Caliban tomou de Próspero para rejeitar um destino que o condenava a ser sub-humano.

Os “selvagens” aprenderam a praguejar, o que agora significa contrariar a fatalidade de terem nascido no lugar errado, e na forma errada. Se fossem dinheiro, emigrariam para onde quisessem, para onde houvesse oportunidades, em impulsos eletrônicos. Como são gente...

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