Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

O doutor Mindinho

Os irmãos tinham se criado ouvindo as histórias do doutor Mindinho, o menor homem do mundo, que o pai contava para fazê-los dormir. De como ele tinha sido atirado, de estilingue, atrás das linhas inimigas durante a II Guerra Mundial para atuar como espião e fora descoberto em seguida porque não tinha como esconder a câmara em miniatura. Sua fuga espetacular, mesmo que involuntária, do campo de concentração, nas garras de um gavião que o confundira com um rato. Isto depois de ter escapado do fuzilamento porque o pelotão não conseguiu acertá-lo. Por sua atuação durante a guerra o doutor Mindinho fora condecorado, e caíra para a frente com o peso da medalha. Desfilara em triunfo pelas ruas da sua cidade num carro de bebê aberto e tivera que ser socorrido às pressas debaixo do confete. Apesar de herói, a vida do doutor Mindinho não fora fácil depois da guerra. Tentara ser músico, tocando trompete, mas sem sucesso. Conseguia soprar a boquilha, mas não chegava a tempo de pressionar os pistons. Aceitara trabalhos degradantes, como limpar dedais. Chegou até a ser homem-bala num circo, onde todas as noites era disparado de uma espingarda contra uma rede. Dançava e cantava na rua e depois passava o chapéu, mas no chapéu só cabia uma moeda de cada vez. Um dia, no entanto, sua sorte mudou. Fundou uma microempresa para resgatar coisas de dentro dos sofás. O próprio doutor Mindinho, vestindo uma roupa especial para o que ele chamava de estofandrismo - escafandrismo em estofados -, entrava movéis adentro em excursões que podiam durar dias e das quais voltava, muitas vezes, com verdadeiras fortunas. Pelo contrato, ficava com metade de tudo que encontrasse dentro dos sofás, fossem moedas, jóias ou tampas de caneta. Enriqueceu. Construiu uma casa com uma enorme banheira para poder velejar. Andava pela rua sempre com um caro charuto entre as mãos e com um anel de diamante no pescoço, arrastado por um chiuaua preso numa coleira de brilhantes. Usava gravatas-mosquito importadas e ternos de uma ombreira só para os dois ombros, feitos por alfaiates famosos. Quando entrava em grandes restaurantes levando grandes mulheres pelo tornozelo nunca deixava de enfiar, discretamente, algumas notas de mil na bainha da caça do maître, para ser bem servido. Eram muitas as histórias do inesquecível Mindinho.

Tão inesquecível que, mesmo depois de grandes, os irmãos volta e meia o invocavam. Como quando caía alguma coisa num lugar inacessível:

- Isso é um trabalho para o doutor Mindinho...

Ou se punham a conjeturar por que o doutor Mindinho das histórias do pai era “doutor”.

- Advogado de pequenas causas.

- Não, não. Cirurgião. Desistiu da profissão depois da vez em que o esqueceram dentro de um paciente.

Os irmãos ficaram adultos, foi cada um para o seu lado e formou cada um sua família. Mas não conseguem interessar os próprios filhos nas aventuras do doutor Mindinho. Os filhos só querem saber de heróis eletrônicos. O remédio é eles mesmos trocarem histórias do velho personagem. Que, com o passar do tempo, foram ficando um pouco amargas. O doutor Mindinho ultimamente tem pensado muito em suicídio, por exemplo. Por quê?

- Teve um caso com a Luiza Brunet e ela não notou.

- O Nelson Ned deu um croque na cabeça dele.

Como seriam as tentativas de suicídio do doutor Mindinho?

- Se atirou do térreo.

- Se enforcou na viga da casa de cachorro.
 
- Meteu a cabeça numa tomada de luz!

Hoje os irmãos moram em cidades diferentes. Ás vezes trocam telegramas:

“Lamento informar doutor Mindinho vítima grave acidente na Suíça PT Avalanche e soterrou.”

“Peço urgente notícias estado saúde doutor Mindinho vítima avalanche neve Suíça.”

“Neve não PT Ervilhas.”

Ou então:

“Doutor Mindinho estado gravíssimo depois ato heróica imprudência.”

“Peço esclarecimento natureza ato envolvendo inditoso doutor.”

“Doutor Mindinho atacou sozinho forte Playmobil.”

Etc. Mas não é a mesma coisa.

3 comentários:

Unknown disse...

Esta cronica permeou minha existência, lembro dum amigo dizendo, estão falando em códigos? Meu irmão Marcos citávamos mindinho , o menor homem do mundo. Aliterei e permaneço no facebook Dr Mindinho Veríssimo, existo no mundo virtual.

Unknown disse...

Sou fã deste homem , brilhante igual o pai, cada um com seu tempo. Os dois conheceram
Clarice lispector?

Unknown disse...

melhor se fosse para mauropadua@uol.com.br

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