Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

domingo, 1 de maio de 2011

Domínio - Estadão (01/05/11)

O nome da montanha mais alta do mundo, "Everest", vem de "Evresta", palavra em nepali que quer dizer "Deusa do céu". Você acreditou? A história parece plausível, mas acabei de inventá-la. "Deusa do céu" é mesmo o nome dos nepaleses para a sua montanha sagrada, mas só eles sabem como se pronuncia. "Everest", o nome oficial, vem de sir George Everest, líder da excursão inglesa que mapeou a região no século 19.


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Agora que se volta a falar em legislar sobre o uso de estrangeirismos na nossa língua é bom lembrar que quem escolhe o nome das coisas é quem tem o poder para isso, não necessariamente o direito. O primeiro homem a enxergar o novo mundo foi Rodrigo de Taina, vigia na "Pinta". Ele teria direito ao prêmio prometido por Cristóvão Colombo a quem visse terra primeiro. Mas o comandante alegou que ele, Colombo, vira antes uma luminosidade que emanava da terra e assim pressentira a presença da América - que achava que fosse a Índia - antes que ela aparecesse. Colombo ficou com o prêmio e a glória porque, afinal, a ideia de chegar ao Oriente pelo Ocidente era dele, e por que a História era dos homens predestinados como ele. Dos que tinham o poder de dar nome às coisas, não dos insignificantes Rodrigos de Taina do mundo. Quando Portugal e Espanha assinaram o Tratado das Tordesilhas, fizeram como Colombo: se apossaram de terras antes de vê-las. Começaram colonizando uma hipótese.


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Colombo descobriu qual era o nome que os nativos davam às coisas, o que não o impediu de dar nomes novos, e de se apossar da sua história e dos seus costumes, assim como da sua geografia. E como ele pensava que estava nas terras do Grande Khan, estava se apossando de duas histórias, a dos selvagens e a do outro império, simultaneamente. Cabral e a sua turma, que se saiba, não se interessaram em descobrir se as coisas aqui já tinham nome. Batizaram seu Everest, no caso o Monte Pascoal, antes de pisarem na praia.


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Dar nome às coisas é possuí-las. A colonização começa pela linguagem. Os estrangeirismos na nossa língua mostram quem tinha o poder sobre nossas vidas, combate-los é uma maneira de dizer que o domínio acabou, ou deve acabar. Porém, ai porém: acontece o contrário, a invasão aumenta. Tentar legislar contra esse tsunami é uma batalha perdida. Tem gente demais que confunde colonizado não com submisso mas com moderno. E dê-lhe "sale" em vez de liquidação e "delivery" em vez de entrega. A única coisa a fazer é esperar que, em algum momento, deem-se conta do ridículo.

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