Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Infidelidade

   — Eu jamais fui infiel a minha mulher, doutor.
   — Sim.
   — Aliás, nunca tive outra mulher. Casei virgem. 
   — Certo.
   — Mas, desde o começo, sempre que estava com ela, pensava em outra. Era a única maneira que conseguia, entende? Funcionar.
   — Funcionar?
   — Fazer amor. Sexo. O senhor sabe.
   — Sei.
   — No princípio, pensava na Gina Lollobrigida. O senhor se lembra da Gina Lollobrigida? Por um período, pensei na Sofia Loren. Fechava os olhos e imaginava aqueles seios. Aquela boca. E a Silvana Mangano. Também tive a minha fase de Silvana Mangano. Grandes coxas.
   — Grandes.
   — Às vezes, para variar, pensava na Brigitte Bardot. Aos sábados, por exemplo. Mas para o dia-a-dia, ou noite-a-noite, preferia as italianas.
   — Não há nada de anormal nisso. Muitos homens...
   — Claro, doutor. E mulheres também. Como é que eu sei que ela não estava pensando no Raf Valone o tempo todo? Pelo menos eram da mesma raça.
   — Continue.
   — Tive a minha fase americana. A Mitzi Gaynor.
   — Mitzi Gaynor?!
   — Para o senhor ver. A Jane Fonda, quando era mais moça. Algumas coelhinhas da Playboy. E tive a minha fase nacionalista. Sônia Braga. Vera Fischer. E então começou.
   — O quê?
   — Nada mais adiantava. Eu começava a pensar em todas as mulheres possíveis. Fechava os olhos e me concentrava. Nada. Eu não conseguia, não conseguia...
   — Funcionar.
   — Funcionar. Isso que nós já estávamos na fase da Upseola.
   — Upseola?
   — Uma por semana e olhe lá. Mas nada adiantava. Até que um dia pensei num aspirador de pó. E fiquei excitado. Por alguma razão, aquela imagem me excitava. Outro dia pensei num Studebaker 48. Deu resultado. Tive então a minha fase de objetos. Tentava pensar nas coisas mais estranhas.
Um daqueles ovos de madeira, para cerzir meia. Me serviu duas vezes seguidas. Pincel atômico roxo. A estátua da Liberdade. A ponte Rio-Niterói. Tudo isto funcionou. Quando a minha mulher se aproximava de mim na cama eu começava, desesperadamente, a folhear um catálogo imaginário de coisas para pensar. O capacete do kaiser? Não. Uma Singer semi-automática? Também não. Um acordeom, quente, resfolegante... Mas, depois de um certo tempo, passou a fase das coisas. Tentei pensar em animais. Figuras históricas. Nada adiantava. E então, de repente, surgiu uma figura na minha imaginação. Uma mulher madura. O cabelo começando a ficar grisalho. Olhos castanhos... Era eu pensar nessa mulher e me excitava. Até mais de uma vez por semana. Até as segundas-feiras, doutor!
   — E essa fase também passou?
   — Não. Essa fase continua.
   — Então, qual é o problema?
   — O senhor não vê, doutor? Essa mulher que eu descrevi. É ela.
   — Quem?
   — A minha mulher. A minha própria mulher. Me ajude, doutor!

0 comentários:

Postar um comentário