Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

terça-feira, 17 de maio de 2011

La tristesse - Estadão (15/05/11)

Auvers-sur-Oise é uma cidadezinha à beira do rio Oise, alguns quilômetros ao norte de Paris. Não chega a ser a "France profonde". Com sua proximidade à capital é mais um lugar para casas de campo e escapadas de fim de semana dos parisienses. Mas Auvers é importante. Foi para lá que Vincent Van Gogh se mudou no fim da sua vida. Atormentado por problemas mentais, ele quis estar perto do dr. Gachet, um médico da região que lhe fora recomendado pelo pintor Pissarro. (Um retrato do dr. Gachet está entre as suas últimas obras, que também incluem uma pintura da igreja de Auvers.) Mas, principalmente, Van Gogh foi para Auvers para estar mais perto do seu irmão Theo.


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A relação entre Vincent e Theo Van Gogh é das mais ricas e, finalmente, pungentes da história da arte. Não apenas porque a ajuda financeira de Theo permitiu a Vincent - que em toda a sua vida só vendeu um quadro - dedicar-se à pintura, mas porque tudo que se sabe sobre os pensamentos e os sentimentos de Van Gogh está nas suas cartas para o irmão mais velho, seu confidente e conselheiro. Sem Theo não haveria Vincent. Quando decidiu ir viver em Auvers, Van Gogh talvez estivesse inconscientemente se aproximando do irmão para morrer perto dele. No dia 27 de julho de 1890, Van Gogh se deu um tiro no peito. Morreu dois dias depois nos braços de Theo. Suas últimas palavras foram "La tristesse durera toujours". A tristeza durará para sempre.


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Há dias fomos ao cemitério de Auvers-sur-Oise onde estão enterrados Vincent e Theo, que morreu alguns meses depois do irmão. O cemitério fica numa colina em meio a um trigal. O trigo estava verde. Van Gogh poderia transformá-lo em amarelo, e acrescentar alguns redemoinhos ao azul daquele céu de primavera, mas o dia era irretocável. Os dois irmãos estão enterrados lado a lado. Sepulturas simples, com um quadrilátero de plantas na frente. As duas lápides são absolutamente iguais. Os nomes, as datas de nascimento e morte, e só. Com um pouco de imaginação você concluiria que, na morte como na vida, Theo estivesse ali para proteger seu desafortunado irmão. Mas nada nas lápides os diferencia. E Van Gogh tinha razão. A tristeza o perdurava. A tristeza durará para sempre. 


Brod. Max Brod não era parente de Franz Kafka. Os dois só eram grandes amigos. E Kafka pediu a Max Brod que impedisse a publicação dos seus livros e queimasse todos os seus escritos, quando ele morresse. Não se sabe se Kafka pediu que Brod prometesse, solenemente, fazer o que ele pedia. Se fez o Brod jurar. O fato é que se deve à decisão de Brod de trair a confiança do amigo a existência literária de Kafka, que só foi publicado postumamente. Se a humanidade deve a Theo e sua dedicação ao irmão as grandes pinturas de Van Gogh, deve à infidelidade de Brod a obra impressa do Kafka. Sem Brod não haveria Kafka.


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Sei pouco sobre a posteridade de Brod, que entrou para a história da literatura apenas como responsável pela posteridade de outro. Também não sei como foi sua escolha entre assegurar a posteridade de Kafka e honrar seu pedido. A fogueira já estaria acesa quando ele decidiu preservar os escritos? E o remorso? Alguma vez Brod se arrependeu de ter sido um amigo inconfiável, recusando a Kafka o esquecimento desejado? Seja como foi, obrigado Max. E você também, Theo.

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