Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

domingo, 20 de março de 2011

Bebel três vezes - Crônica do Estadão (20/03/11)

A Bebel era um problema. Aos 18 anos tinha participado pela primeira vez de uma reunião da holding da família. Herdara ações do avô, um dos fundadores da empresa que depois se transformara num conglomerado, e com elas o direito de votar em todas as decisões da diretoria. Naquela primeira reunião ela fora saudada carinhosamente pelo patriarca da família e presidente do conglomerado, seu tio-avô.

- A partir de hoje, a Bebelzinha vai participar das nossas reuniões. Você quer dizer alguma coisa, querida?

E a Bebel dissera o seguinte:

- Toda propriedade é um roubo.

 
***

Grande consternação familiar. Sorrisos incrédulos. Troca de olhares atônitos. O que aquela menina estava lendo? Com quem andava? O que era aquilo? O patriarca, depois de se recuperar de um acesso de tosse causado pelo choque, perguntou se ela tinha alguma sugestão sobre como administrar as empresas do grupo de acordo com sua premissa. Bebel passou então a expor um plano que incluía entregar a gestão das empresas aos empregados e concluiu instando todos ali a se engajarem na luta do proletariado contra o capital espoliador. Nas reuniões seguintes o patriarca cuidou para jamais dar a palavra à Bebel mesmo quando ela subia na mesa, sapateava e exigia ser ouvida. Mas não foram poucas as vezes em que os votos da Bebel atrapalharam, ou pelo menos retardaram, decisões importantes do grupo, com a consequente perda de dinheiro. Se dependesse dela, Bebel solaparia o capitalismo por dentro. 

***

Mas um dia a Bebel anunciou que tinha se casado e exigiu que o marido, Valfredo, participasse das reuniões ao seu lado, para orientá-la e expor algumas das suas ideias sobre estratégia empresarial. O marido tinha "Pilantra" tatuado na testa, ou só faltava isto. Quando perguntavam qual era sua atividade principal, respondia "Transações". Às vezes em inglês: "Transitions". Bebel, apaixonada, fazia tudo que ele mandava. Convertera-se ao capitalismo mais desenfreado, para ganhar mais e poder oferecer a Valfredo os meios para manter o que ele chamava de "meu padrão de vida", ou "my padron of life". Valfredo conturbou várias reuniões da holding até que um dia desapareceu misteriosamente, havendo a certeza generalizada - mas nunca dita - que o patriarca o convencera a abandonar a mulher e se exilar no exterior por uma boa quantia. Bebel, inconsolável, perdeu o interesse pelas atividades do grupo e passou a votar passivamente com a maioria. Não era mais um problema. Até que...

***

Até que na última reunião Bebel anunciou que trazia uma mensagem da sua seita, a Igreja Circular da Renúncia e Regeneração em Cristo, que começara a frequentar e à qual já tinha doado tudo que possuía, inclusive sua casa - e suas ações. O patriarca, depois de se engasgar e tomar um copo d"água, finalmente conseguiu falar e disse:

- O quê?! 

Sim, a Igreja Circular da Renúncia e Regeneração em Cristo agora era dona de uma parte do conglomerado. E mais, Bebel prometera ao pastor que convenceria todos os membros da diretoria a também doarem suas ações à Igreja. Era esta sua mensagem. Todos deveriam abraçar a renúncia, desprenderem-se de suas posses materiais e buscarem a regeneração em Cristo, como ela fizera. A Igreja os purificaria, ficando com tudo que era deles, começando pelas ações com direito a voto. E Bebel pediu para que todos se dessem as mãos em volta da mesa de reuniões e repetissem com ela: "Glória a Jesus! Glória a Jesus!". 

O patriarca precisou ser socorrido.

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