Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Don Juan e a Morte - Crônica do Estadão (27/03/11)

Quando a mulher revelou que era a Morte e que viera buscá-lo, Don Juan não pulou da cama nem tentou fugir. Apenas sorriu e disse:

- Eu deveria ter desconfiado.

- Por quê? - perguntou a Morte.

- Porque nenhuma mulher tão linda se entregaria a mim tão facilmente, se não fosse uma armadilha.

- Mas você não é um sedutor famoso? Um homem irresistível?

- Sim, mas na minha experiência, quanto mais linda a mulher, mais difícil a sedução. E com você não precisei usar nenhum dos meus truques. Nem meu olhar de desatar espartilhos, nem os versos que orvalham o portal do amor antes mesmo do meu primeiro toque... Você é a mulher mais bonita que já conheci, mas bastou dizer "vem" e você veio. Eu deveria ter desconfiado.

- Eu talvez tenha me precipitado, ao ceder tão facilmente. Gostaria de ouvir seus versos, que também são famosos. Se eu tivesse resistido um pouco mais...

- Pois é. Agora é tarde.

- O que você diria da minha beleza, se fosse obrigado a recorrer à poesia para me trazer pra cama?

- Bem. Assim, de improviso... Ainda mais depois de saber da minha morte iminente...

- Tente.

- Eu começaria elogiando o seu porte heráldico. Compararia a brancura da sua pele às primeiras neves, quando os cristais ainda reluzem, e o rego dos seus seios ao estreito de Gibraltar, onde dois continentes portentosos se roçam. Comentaria as estrias roxas do seu cabelo e... e...

- Que foi? Por que parou?

- Acabo de me dar conta. Está explicado por que nos amamos em todas as posições possíveis, inclusive algumas que eu mesmo inventei, sem que eu ouvisse um "ui" da sua boca. Um mísero "ui". Você se manteve fria o tempo todo. Claro! Onde se viu a Morte gozar?

- Desculpe, eu...

- Não se desculpe. Você não vê? Isso redime a minha masculinidade. Pensei que tivesse perdido meu jeito de satisfazer as mulheres, que nunca tinha falhado antes. Mas não era eu. Era você. Você só estava aqui a serviço, não para se divertir.

- Não deixou de ser agradável. 

- Obrigado, mas não precisa mentir. Vou morrer feliz, sabendo que não falhei. E o irônico é que passei a vida inteira seduzindo mulheres para adiar a velhice, enganar o tempo e protelar a morte, e ela, a morte, você, me aparece assim. Na forma da mulher mais bonita que já conheci. Olhos como lagos fosforescentes, pescoço como a coluna de mármore de Amastar, onde peregrinos encostavam a testa para rejuvenescer; tornozelos como...

- Não quero interromper, mas acho que deveríamos partir.

- Certo, certo. E se a gente desse mais uma, rapidinha, só para eu me lembrar depois? Ouvi dizer que, no céu, o canto coral substitui o sexo e no inferno é só com um cabrito.

- Não é uma boa ideia. Vamos?

- (Suspiro) Vamos.

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